Folha de S.Paulo

Rio tem tiroteios e 3 mortos mesmo após cerco do Exército na Rocinha

Conflitos ocorreram na favela e em bairros como Santa Teresa; criança de 13 anos foi baleada

- LUCAS VETTORAZZO ITALO NOGUEIRA MIRIAN GOLDENBERG

Polícia fez buscas por traficante­s na mata; confrontos acontecem após ministro dizer que área estava ‘pacificada’

O cerco realizado pelas Forças Armadas não interrompe­u a troca de tiros na favela da Rocinha, zona sul do Rio. Disparos foram registrado­s na madrugada e no início da tarde na comunidade, que há uma semana é palco de conflito de traficante­s.

Confrontos, com três mortes, também ocorreram à tarde em locais do outro lado da Floresta da Tijuca, que circunda a Rocinha e é usada pelos bandidos como esconderij­o e rota de fuga.

A Polícia Militar trocou tiros com suspeitos em pontos do Alto da Boa Vista, Tijuca e Santa Teresa. Nos dois primeiros casos, a Polícia Civil confirmou a suspeita de vínculo com os conflitos na Rocinha.

No Alto da Boa Vista, dois homens foram mortos e dois, presos, segundo a Polícia Civil. Foram apreendido­s dois fuzis. Uma criança de 13 anos foi baleada e levada para o Hospital Souza Aguiar.

Na Tijuca, uma pessoa foi morta em confronto com a PM e outra, presa.

Referência geográfica da cidade, o Parque Nacional da Tijuca delimitand­o os bairros da zona sul, norte e oeste da capital. Com 4.200 hectares, frequentem­ente sua área é usada como esconderij­o e rota de fuga das quadrilhas de traficante­s. FORÇAS ARMADAS Desde sexta-feira (22), militares ocupam o entorno da Rocinha. Na madrugada deste sábado, quatro homens foram presos pelas Forças Armadas ao tentar fugir da favela fazendo um taxista como refém.

Segundo o general Mauro Sinott, não há prazo para a saída do Exército da área. “Os resultados dessa madrugada mostram que estamos no caminho certo”, disse o oficial.

O secretário de Segurança, Roberto Sá, declarou que o objetivo da polícia é fazer “prisões sem confronto”. Ele se referia à possibilid­ade do traficante Rogério Avelino, o Rogério 157 se entregar —negociação não confirmada pelas autoridade­s. “Estamos mantendo a região estável. Mas ainda estamos fazendo buscas na mata”, disse Sá.

O tiroteio ocorrido na madrugada na favela aconteceu após uma noite aparenteme­nte tranquila e depois de o ministro da Defesa, Raul Jungmann, dizer que a área estava “pacificada”.

Depois, novos disparos ocorreram na comunidade por volta das 13h deste sábado (23). Os tiros, que aparenteme­nte ocorriam na parte alta da Rocinha, duraram cerca de dez minutos, e obrigaram militares e jornalista­s a se abrigarem na delegacia que fica no pé da favela. CONFLITO DE FACÇÕES A Rocinha enfrenta confrontos entre facções pelo controle do tráfico desde domingo (17). O conflito envolve os traficante­s Antônio Bonfim Lopes, o Nem, preso em 2011, e seu sucessor no comando, Rogério 157.

Nem estaria insatisfei­to com a atuação de Rogério, que passou a cobrar os moradores por serviços como água e mototáxi. Determinou a invasão de dentro de presídio federal em Rondônia, com apoio de criminosos da facção ADA (Amigo dos Amigos), a segunda maior do Rio. Rogério teve o reforço de bandidos do CV (Comando Vermelho).

Em decorrênci­a das investigaç­ões, a Polícia Civil prendeu na madrugada deste sábado Luiz Alberto Santos de Moura, conhecido como Bob do Caju. Segundo a polícia, o criminoso é um dos responsáve­is pela invasão da Rocinha no último domingo (17).

Ele foi encontrado num bairro residencia­l da Ilha do Governador (zona norte) com uma pistola. A polícia também apreendeu dez fuzis que seriam levados do morro do Caju ao do São Carlos, para armar bandidos que dariam apoio ao tráfico na Rocinha. As armas teriam sido usadas na invasão da Rocinha há uma semana.

Também neste sábado, a juíza Yedda Assunção decretou a prisão temporária de Celso Luiz Rodrigues, o Celsinho da Vila Vintém, que já está preso há 15 anos, e de outras 16 pessoas pela invasão. Celsinho, fundador da ADA, foi transferid­o do presídio federal de Porto Velho para o Rio em maio, de onde teria dado ordem de apoio ao aliado Nem.

Apesar dos novos confrontos, o comércio abriu na Rocinha neste sábado. Nos acessos à comunidade, dezenas de carros e tanques do Exército reforçavam a segurança. Uma blitz de militares foi montada na estrada da Gávea. Homens do Exército utilizam drone para monitorar a região.

COLUNISTA DA FOLHA

Das janelas do meu apartament­o, escuto as balas sendo trocadas. Penso no que Gete, 89, me disse semana passada. “Nunca tive medo de sair de casa, mas agora tenho”.

Desde que optei por morar no Rio (sou de Santos e já morei em São Paulo), escuto a “brincadeir­a”: “Você anda com colete à prova de bala?”. Não ando. Mas também não ando com joias (nem tenho), não carrego bolsas e meu celular é o mais barato que existe (e não saio com ele quando vou caminhar).

Muita gente que conheço está indo morar em outros países, outros pensam em Portugal, Austrália, Miami...

Não tenho vontade de sair do Rio. Desde que me mudei para cá (1978) construí uma vida repleta de realizaçõe­s, amigos e amores. Amo a cidade e a vida que construí aqui. Sou feliz. Mas, como Gete, também sinto medo.

Mais: sinto uma enorme tristeza e impotência por não enxergar saídas, por não saber como contribuir para encontrá-las ou construí-las.

Sou monotemáti­ca: continuo na militância para mudar as representa­ções sobre a velhice, para revelar a beleza dessa fase da vida. Vivo repetindo: “Velho é lindo!”. Mas sei que o que eu faço apaixonada­mente, em cada hora do meu dia, é pouco.

Um pouco de felicidade surge quando encontro velhos amigos: Gete e Nalva, 89, Canella e Guedes,94, Thais, 92, ou quando dou palestra para quem já passou dos 70. Nesses momentos me sinto útil.

Mas sinto-me frustrada por não fazer mais para melhorar a vida dos brasileiro­s. Sintome com o dever de fazer mais. Eu tento, sofro, trabalho muito e continuo assim...

Apesar do medo, vou continuar morando aqui no Rio, cidade que me fez ser tão feliz e tão infeliz ao mesmo tempo. Tenho medo, mas não tenho vontade de viver em qualquer outro lugar do mundo. E vou continuar, angustiada­mente, procurando contribuir para tornar melhor o mundo em que vivo. MIRIAN GOLDENBERG

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Coelho/Frame/Agência O Globo Oficial monitora situação na favela da Rocinha, zona sul do Rio
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Mauro Pimentel/AFP Militares fazem revista na comunidade, há uma semana palco de conflitos de traficante­s; quatro pessoas foram presas
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Reginaldo Pimenta/Raw Image/Agência O Armas apreendida­s por agentes de segurança na operação

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