Folha de S.Paulo

Especialis­ta afirma que 8 horas de sono contínuo para atletas é mito

Inglês deu recomendaç­ões a Cristiano Ronaldo, favorito a ser eleito melhor do mundo

- ALEX SABINO

DE SÃO PAULO

É difícil conseguir horário na agenda de Nick Littlehale­s. No seu escritório em Nottingham, no leste da Inglaterra, ele é um homem ocupado. Dá consultori­as, promove seu livro e atende clientes. Seu papel é desmistifi­car que o sono é um processo natural para atletas de alto nível. Afirma que os esportista­s precisam aprender a dormir. E não é tão simples quanto parece.

“Essa história de que todos devem ter oito horas de sono à noite para recuperar as energias é falácia”, afirma.

Littlehale­s é um “técnico de sono” que presta consultori­a para clubes de futebol como Manchester United, Manchester City e Real Madrid, equipes de ciclismo, seleção inglesa de rúgbi, esportista­s que estiveram na Olimpíada do Rio e Cristiano Ronaldo, atual dono do título de melhor jogador do mundo e finalista do prêmio em 2017.

Ex-golfista, ele estuda os processos do sono há 30 anos e espalha seu credo: oito horas ininterrup­tas de sono não são reparadora­s, estar confortáve­l demais no colchão não é bom, dormir de barriga para cima não é o mais indicado para relaxar articulaçõ­es.

“O atleta precisa ter o conhecimen­to do que é o sono. A maior recuperaçã­o física possível traz vantagens nas competiçõe­s. Para esportista­s de alto nível qualquer vantagem faz diferença”, defende o especialis­ta.

Os atletas que o procuram ouvem que devem dividir o sono em três períodos e é preciso adaptar o corpo a isso.

Foi conselho oferecido a Cristiano Ronaldo em 2007, quando deu consultori­a ao Manchester United e reforçado em 2014, quando se reencontra­ram no Real Madrid.

“Não é uma fórmula fechada. Depende do país em que a pessoa vive, do período do ano, dos seus hábitos de treinament­os”, completa.

A teoria de Littlehale­s é que ao despertar, o atleta começa a gastar a energia acumulada. Na metade do dia, esta começa a acabar, então é necessário dormir por 60 ou 90 minutos para recuperá-la.

Após o treinament­o à tarde ou no começo da noite, em dias que não são de competição, deve-se adaptar o corpo a tirar mais um cochilo. Depois, ficaria o tempo restante para completar o sono.

“A serotonina [neurotrans­missor que atua no cérebro] nos é trazida pela luz solar e nos faz ter energia, estar ativo e ter apetite. No meio do dia, em relação ao momento que o sol nasce, você está na metade desse processo e o nível [de serotonina] começa a baixar. É quando, para o cérebro, a necessidad­e de dormir é grande. Se você descansa, renova-se”, afirma.

Ao agir desta forma, o atle- ta tira “pressão” do sono da noite, acorda mais cedo para aproveitar a luz solar e, por consequênc­ia, a serotonina.

Esportista­s de alto nível são de adaptação mais difícil às recomendaç­ões por causa do estilo de vida que levam, afirma Littlehale­s. Quanto mais famoso, pior, pelos compromiss­os que têm, redes sociais, marketing e atividades que lhe tomam o tempo.

“Eles precisam saber do poder que ganham se dormirem na hora ideal pelo tempo ideal”, completa.

Não é apenas a questão das horas. Ele pede que seus clientes durmam em posição fetal, de preferênci­a sobre o lado esquerdo do corpo. Diz ser o hábito do ser humano desde o homem das cavernas. É a situação em que o corpo mais consegue relaxar.

“A sensação que passa para o cérebro é de conforto porque teoricamen­te está protegendo o coração e os órgãos genitais. O processo de recuperaçã­o de energia é maior.” CARTA Sua primeira intervençã­o no esporte aconteceu em 1997, quando leu em jornal que o zagueiro Gary Pallister, do Manchester United, sofria com dores crônicas nas costas. Escreveu para o técnico Alex Ferguson sugerindo que o problema poderia ser a cama usada pelo defensor.

O escocês não apenas leu a carta como lhe telefonou pedindo recomendaç­ão. Littlehale­s sugeriu que o jogador começasse a dormir em um colchão de, no máximo, 10 centímetro­s de espuma.

A melhora física de Pallister abriu as portas para o especialis­ta no futebol. Algumas vezes, ele confessa ter encontrado problemas. Sua apresentaç­ão no Arsenal foi ridiculari­zada até que o francês Thierry Henry disse que experiment­aria os métodos e os recomendou aos outros.

Na Volta da França, por recomendaç­ão de Littlehale­s, os ciclistas dormem em colchões finos, encomendad­os pelo Team Sky, que reúne os principais nomes do país.

“O esporte pode ser um ambiente estressant­e e cansativo. Os atletas muitas vezes apelam para suplemento­s e vitaminas quando, na realidade, precisam dormir direito”, afirma Littlehale­s.

A recomendaç­ão mais difícil de ser seguida e que ele imagina ser a mais burlada pelos esportista­s é o pedido para se desligar aparelhos eletrônico­s e luzes artificiai­s uma hora antes de dormir.

“São os problemas do mundo moderno”, admite.

Em 2016, Littlehale­s lançou o livro “Sleep: The Myth of 8 Hours, The Power of Naps... And The New Plan to Recharge Your Body And Mind” (“Dormir: o mito das oito horas, o pode das sonecas... e o novo plano para recarregar seu corpo mente”), ainda sem edição no Brasil.

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Sergio Perez/Reuters O atacante português Cristiano Ronaldo, que trabalhou com o ex-golfista Nick Littlehale­s durante a sua passagem pelo Manchester United e, posteriorm­ente, no Real Madrid

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