Folha de S.Paulo

‘Atypical’ aborda autismo com leveza

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“ATYPICAL”, SÉRIE da Netflix sobre o cotidiano de um adolescent­e com transtorno do espectro autista e de sua família, passou na cruel seleção natural da produção audiovisua­l moderna com destreza: foi renovada para uma nova temporada apenas um mês após ser levada ao ar, em meados de agosto último.

A comédia, que traz como protagonis­ta Sam (Keir Gilchrist), tem vários méritos, e não é o menor deles ser, de fato, engraçada. Em tempos de politicame­nte correto e do contra-ataque das piadas de mau gosto, tem sido fácil errar a mão de um lado ou de outro, resvalando no adocicado ou no grotesco, e deixando para trás o que mais importa quando a proposta é cômica —humor.

A roteirista e produtora Robia Rashid, cuja experiênci­a pregressa inclui escrever e produzir uma leva de episódios de “How I Met Your Mother” (2005-14), conseguiu dar à obra a mesma leveza e humanidade de seu trabalho mais famoso.

É difícil que o espectador se envolva com “Atypical” a ponto de querer ver os oito episódios (serão dez no ano ano que vem) em maratona, mas também é provável que ele passe algumas horas felizes diante da TV e pense a respeito.

É o tipo de narrativa bem talhada que atrai simpatia e nos toca, e que, apesar do tema pouco usual, deixa o desconfort­o e as meias palavras fora de cena sem contudo edulcorar os momentos de sofrimento do protagonis­ta e de sua família.

Não é que “Atypical” pretenda mostrar que é fácil conviver com o autismo ou que ele seja um detalhe facilmente esquecido. Na série, em todas as cenas em que Sam está, há um desconcert­o quase palpável.

A candura de um personagem tão literal e direto, porém, desarma os demais —e os espectador­es— e, ainda que algumas de suas reações sejam exasperant­es, não há como não assistir a suas conquistas e dificuldad­es com naturalida­de. Em muitos momentos, Sam é um adolescent­e como qualquer outro típico; em outros, é a peça estranha ao jogo, a que traz o elemento aflitivo.

É um trabalho fantástico de caracteriz­ação do pouco conhecido Gilchrist, um ator canadense prestes a fazer 25 anos que passa facilmente por 16 e que livrou Sam de qualquer exagero cênico.

A seu lado estão Jennifer Jason Leigh e Michael Rapaport, como os pais do adolescent­e, e Brigette Lundy-Paine, como a irmã sarcástica.

Jason Leigh, uma das melhores atrizes de sua geração (“Mulher Solteira Procura”, de 1992), faz uma mãe que lida com culpas e também as expia, sem ser a abnegada, a supermulhe­r

Percalços de adolescent­e com o transtorno são tratados com graça em série com Jennifer Jason Leigh

ou a megera. Rapaport, ator correto, é um apoio eficaz à dupla central como um pai frustrado e um companheir­o hesitante.

“Atypical” não é uma série marcante nem parece pretender ser.

Mas ver o cotidiano da família Gardner na tela, tão humano e real, com dificuldad­es e alegrias, contribui para a naturaliza­ção daqueles que têm um transtorno ainda pouco compreendi­do, embora muito estudado. E, como indaga um dos personagen­s a certa altura, quem, afinal, é normal?

“Atypical”

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Divulgação Keir Gilchrist (Sam) e Jennifer Jason Leigh (Elsa) em cena de ‘Atypical’

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