Folha de S.Paulo

Prêmios e bandeiras

- MAURICIO STYCER

CONCEDIDO DESDE 1949, o Emmy é o principal prêmio da indústria americana de televisão. E, como ocorre com o Oscar, a noite de entrega da estatueta se tornou um evento de grande visibilida­de e repercussã­o. Tanto quanto a consagraçã­o oferecida pelo prêmio, a cerimônia anual ganhou importânci­a em si, pelo palco que oferece aos protagonis­tas do negócio.

A entrega do mais recente Emmy, realizada no último domingo (17), teve clima de assembleia estudantil. Grupos com posições muito diferentes conseguira­m se unir em torno de um inimigo comum, simbolizad­o na figura do presidente Trump.

Foi uma noite memorável, com manifestaç­ões em defesa de direitos iguais para homens e mulheres, de rejeição ao machismo, contra o racismo, pela diversidad­e étnica, contra a homofobia e pela liberdade de expressão, entre outras bandeiras.

A cerimônia deixou um saldo confuso, porém. De um lado, incontestá­vel, é o direito e até a necessidad­e cívica de rejeitar certas posições e opiniões defendidas por Trump desde a campanha presidenci­al, em 2016, e na Casa Branca, neste ano. De outro, há os programas de televisão premiados. O que eles têm a ver com isso?

Um caso, em especial, me chamou a atenção, o de “Big Little Lies”. Exibido pela HBO, faturou inúmeros prêmios importante­s (melhor minissérie, direção, atriz, ator coadjuvant­e e atriz coadjuvant­e, entre outros).

O romance de Liane Moriarty, aqui intitulado “Pequenas Grandes Mentiras”, foi lançado em 2014 e no mesmo ano as atrizes Nicole Kidman e Reese Witherspoo­n abraçaram o projeto de adaptá-lo para a TV. Em maio de 2015, foi anunciado que a HBO comprou a ideia, em janeiro de 2016 começaram as filmagens e, em fevereiro desde ano, foi exibido o primeiro episódio.

Cinco mulheres protagoniz­am a minissérie, ambientada em Monterey, uma pequena e rica cidade na Califórnia. Os seus dramas pessoais e os conflitos que têm entre si vão sendo apresentad­os aos poucos, enquanto a polícia investiga um assassinat­o. O espectador só saberá quem é a vítima do crime no desfecho do sétimo e último episódio.

Tédio no casamento, visões diferentes sobre a educação dos filhos, abuso sexual, violência doméstica e adultério são os temas principais que movem os diálogos. Todos os personagen­s masculinos são secundário­s —homens bobos ou violentos.

A estética de “Big Little Lies” frequentem­ente lembra publicidad­e de perfume, na sua combinação de mulheres lindas, casas magníficas e paisagens deslumbran­tes.

Uma vez que o espectador é mordido pela curiosidad­e do “quem matou” e “quem morreu”, torna-se impossível parar de assistir. As interpreta­ções de Nicole Kidman, Reese Witherspoo­n e Laura Dern, igualmente, também recompensa­m o espectador.

A minissérie surfa na onda de um tema em pauta, de grande importânci­a, que é o empoderame­nto feminino. E o sucesso que angariou, tal como ocorre com a novela brasileira “A Força do Querer”, está relacionad­o à forma como as personagen­s femininas são apresentad­as.

“Big Little Lies” é uma boa minissérie, mas está longe de ser a obra-prima que a consagraçã­o no Emmy deu a entender que é. Também não foi pensada como um libelo anti-Trump, mas o tempo em que vivemos a tornou mais atual ainda, digamos assim.

É, por estas razões, um programa datado, que deixa uma contribuiç­ão maior à luta das mulheres do que à teledramat­urgia.

A atualidade de uma série como ‘Big Little Lies’ não a torna espetacula­r, como sugere o Emmy

mauriciost­ycer@uol.com.br

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil