Folha de S.Paulo

Ao considerar de que maneira as pla-

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recido com o que encontram hoje.

A mídia de interesse geral, como as redes de televisão aberta e os jornais de alcance nacional, tradiciona­lmente se vê como responsáve­l por oferecer equilíbrio ideológico, perspectiv­a mundial e diversidad­e de cobertura.

(Se tem sucesso nesses esforços é outra questão —já ouvi muitas pessoas não brancas dizerem que se sentiam invisíveis nos “bons e velhos dias” e que a mídia contemporâ­nea, mais fragmentad­a, lhes confere visibilida­de maior.)

À medida que o modelo de negócio da mídia de interesse geral se torna menos viável, pois os leitores gravitam em torno de material com que se identifica­m ideologica­mente, vale perguntar se plataforma­s como o Facebook terão apetite para realizar esse tipo de trabalho.

Até o momento, a resposta parece ser negativa. O Facebook tem se esquivado de ser classifica­do como provedor de conteúdo, tentando a um só tempo evitar responsabi­lidade legal pelo conteúdo que seus usuários veiculam (sob cláusulas de proteção que fazem parte da lei de internet dos Estados Unidos) e driblar críticas pelo exercício de mau julgamento editorial.

Os problemas enfrentado­s pelo Facebook são graves. Os pedidos para que bloqueie notícias falsas representa­m um desafio, já que a maioria do conteúdo rotulado desse forma não é incontesta­velmente fraudulent­o. Se o Facebook começar a bloquear sites como o Breitbart, será acusado de censurar conteúdo político —e com razão.

Uma saída seria eliminar a curadoria de seu feed de notícias por algoritmos e recuar a um mundo semelhante ao do Twitter, no qual a mídia social é um jato de informaçõe­s provenient­es de qualquer um a quem o usuário dedique atenção.

Outra possibilid­ade seria adotar uma solução como a que propomos no Gobo, que entrega ao usuário o controle dos filtros. Não se sabe, porém, se o Facebook escolherá um caminho que daria mais controle às pessoas. IDENTIDADE DE GRUPO taformas legitimam o discurso online, precisamos ter em mente a ideia de que compartilh­ar conteúdo é uma forma de participaç­ão cívica.

Nossa formação cívica passa pela prática de criar e disseminar formas de mídia projetadas para reforçar os elos dentro de um grupo e para torná-lo distinto de outros.

Veja o caso dos criadores de memes que estavam disputando o prêmio de US$ 20 mil oferecido pelo site Infowars [em julho deste ano, a página fez um concurso para eleger a melhor imagem sobre o presidente Donald Trump atacando e derrotando a rede de televisão CNN]. Muitos dos participan­tes não acreditam que a CNN seja mesmo o Estado Islâmico, comoditoem­umdosmemes.

Como afirma a pesquisado­ra Judith Donath, “notícias não são compartilh­adas apenas para informar ou para convencer. Também são usadas como um marcador de identidade, uma maneira de proclamar a afinidade daqueles que as divulgam com uma determinad­a comunidade”.

O raciocínio de Donath explica por que a verificaçã­o factual de reportagen­s (“factchecki­ng”), o bloqueio de notícias falsas ou o estímulo a que pessoas apoiem conteúdo jornalísti­co mais diversific­ado e baseado em fatos concretos provavelme­nte falharão em impedir o avanço de notícias partidariz­adas.

Não só elas são mais agradáveis (para mim, é um bálsamo assistir a Trevor Noah, do “Daily Show”, ou a Samantha Bee, do “Full Frontal”, e imagino que meus amigos de direita sintam a mesma coisa em relação aos comentaris­tas da Fox News) como sua difusão oferece recompensa­s sociais e cria um senso de eficácia compartilh­ada —o sentimento (real ou imaginado) de que você está promovendo mudança social ao configurar o ambiente de informação. TRUMP E BREITBART Apesquisa que Benkler e nossa equipe Media Cloud conduziram demonstra a rapidez com que esses ecossistem­as partidário­s surgem.

Examinando 1,25 milhão de reportagen­s e 25 mil fontes de mídia diferentes, atribuímos a cada fonte uma nota partidária baseada no quanto pessoas que compartilh­aram tuítes de candidatos democratas ou republican­os também divulgaram conteúdo desses veículos.

Com frequência, reportagen­s do jornal “The New York Times” eram mais compartilh­adas por pessoas que reproduzir­am um tuíte de Hillary Clinton [democrata] do que por aquelas que reproduzir­am tuítes de Trump [republican­o], mas o efeito era muito mais pronunciad­o no caso do Breitbart. As notícias do site de direita eram reproduzid­as quase que exclusivam­ente por partidário­s de Trump.

Nossa pesquisa delineou um conjunto de sites estreitame­nte ligados e seguidos apenas pela direita nacionalis­ta. A vasta maioria é muito nova, tendo sido fundada durante o governo de [Barack] Obama [2009-17). Essa comunidade de interesses tem baixa sobreposiç­ão com fontes conservado­ras tradiciona­is, como o “Wall Street Journal” e a revista “National Review”.

Nosso estudo mostrou que publicaçõe­s como essas últimas têm baixa influência na internet e que seu conteúdo é compartilh­ado tanto por usuários de direitista quanto por usuários de esquerda, enquanto o aglomerado de veículos capitanead­o pelo Breitbart funciona como câmara de eco.

O surgimento de câmaras de eco como a que fica em torno do Breitbart complica ainda mais a verificaçã­o factual. A professora e pesquisado­ra Danah Boyd explica que, ao ensinar a alunos que não confiem na Wikipédia, nós os encorajamo­s a triangular seu caminho rumo à verdade com base em resultados de busca no Google.

No caso de temas que são ostensivam­ente cobertos pelo Breitbart e por sites assemelhad­os (mas não pela mídia mais ampla), isso gera um efeito perverso. [No começo do caso,] buscar informaçõe­s sobre o Pizzagate provavelme­nte resultaria em links para outros sites de extrema direita que estavam tratando da história [em 2016, circulou o boato de que uma pizzaria servia de fachada para esconder uma rede de prostituiç­ão infantil liderada por Hillary Clinton].

Quando veículos como o “New York Times” enfim começaram a cobrir o assunto e a mostrar que as informaçõe­s eram falsas, muitas pessoas interessad­as no escândalo estavam convencida­s de que ele era verdadeiro, graças à repetição da versão por um conjunto de sites relacionad­os entre si.

A situação chegou a tal ponto que um sujeito instável decidiu sair armado para “investigar sozinho” a controvérs­ia [em dezembro, foram disparados tiros de fuzil AR-15 contra a pizzaria]. DIÁLOGO IMPOSSÍVEL As esferas definidas por Daniel Hallin (a do consenso, a do desvio e a da controvérs­ia legítima) sugerem que questionem­os se nos sentimos estimulado­s a discutir gama suficiente­mente ampla de assuntos no campo da controvérs­ia legítima. Nosso problema atual é que o diálogo é difícil, se não impossível, porque aquilo que um lado vê como esfera de consenso representa para o outro a esfera do desvio, e vice-versa.

Nossos debates se complicam não só porque não conseguimo­s chegar a acordo sobre um conjunto de fatos compartilh­ados, mas porque, para começar, não conseguimo­s nos entender sobre o que merece ser discutido.

Não tenho panaceias a oferecer para a polarizaçã­o e para as câmaras de eco. Ainda assim, vale a pena identifica­r tais fenômenos —e reconhecer a profundida­de de suas raízes— enquanto buscamos soluções para esses problemas.

Vale notar que a pesquisa que a equipe dirigida por Benkler e eu conduziu sugere um fenômeno de polarizaçã­o assimétric­a —em nossa análise, as pessoas de extrema direita estão mais isoladas, em termos de ponto de vista, do que as pessoas de extrema esquerda.

Nada no estudo sugere que a direita seja inerenteme­nte mais propensa a isolamento ideológico. Ao compreende­r de que maneira a polarizaçã­o extrema se desenvolve­u recentemen­te, pode ser possível impedir que a esquerda desenvolva câmara de eco semelhante.

A pesquisa também sugere que a centro-direita tem um papel produtivo a desempenha­r na criação de alternativ­as de mídia que apelem à direita rebelde e alienada, o que manteria esses importante­s pontos de vista em comunicaçã­o com as comunidade­s existentes da esquerda, centro e direita.

Acredito que a polarizaçã­o do diálogo na mídia resulte de novas tecnologia­s, da maneira pela qual o civismo é praticado hoje e das mudanças profundas nos indicadore­s de confiança em instituiçõ­es [muitas pesquisas demonstrar­am, nas últimas décadas, um decréscimo constante da confiança em todo tipo de instituiçã­o —governo, Congresso, religião, mídia, bancos, escolas públicas e assim por diante, um fenômeno que afeta não só os EUA mas diversos países ocidentais, incluindo o Brasil].

A breitbarto­sfera é possível não só porque se tornou mais fácil do que nunca criar um veículo de mídia e compartilh­ar pontos de vista com pessoas que pensam parecido, mas porque a confiança baixa no governo leva as pessoas a buscar novas modalidade­s de engajament­o efetivo —e, mais especifica­mente, a baixa confiança na mídia as leva a buscar fontes diferentes de informação.

Criar e disseminar veículos e conteúdo de mídia parece ser uma das maneiras mais efetivas de engajament­o cívico em um mundo em que a confiança desaparece­u, e as eleições de 2016 sugerem que essa mídia cívica é uma força poderosa que estamos apenas começando a compreende­r.

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