Folha de S.Paulo

Ilhabela vive benefício e risco dos royalties

Em quatro anos, receita do município cresceu 94%, mas shows e obras questionáv­eis levam boa parte do dinheiro

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Município pode estar repetindo o erro de cidades fluminense­s que desperdiça­ram os recursos na bonança

Cerca de 10 quilômetro­s separam duas grandes estruturas de concreto inacabadas em Ilhabela, cidade turística no litoral norte de São Paulo. São projetos iniciados com dinheiro dos royalties do petróleo, mas suspensos pelo Ministério Público.

Ao lado da orla repaginada com pavimentaç­ão colorida e esculturas do artista local Gilmar Pinna, os dois edifícios são os sinais mais visíveis da bonança vivida pela cidade desde o início da produção do campo petrolífer­o de Sapinhoá, na bacia de Santos, em 2013.

Também são um sinal de alerta. O município pode estar repetindo erros já cometidos por outras cidades no litoral norte fluminense, os primeiros novos-ricos do petróleo do país, que sofrem hoje com a queda nas cotações internacio­nais do barril.

Ilhabela é a principal beneficiad­a pela arrecadaçã­o de royalties e arrecadaçõ­es especiais do petróleo em São Paulo. No primeiro semestre, recebeu R$ 221,6 milhões, mais de cinco vezes o que ganhou a vizinha São Sebastião.

Entre 2012 e 2016, a receita do município cresceu 94%, já descontada a inflação —em 2016, foi a quarta cidade com maior receita per capita do país, com R$ 12.812 por habitante. Para este ano, a previsão de receita é de R$ 468 milhões, 11% a mais do que o realizado no ano anterior.

Os edifícios foram projetados para abrigarem um teatro e centro de convenções, mais um centro de educação em tempo integral. O primeiro foi embargado porque não respeita o código de posturas do município. O segundo, por danos ambientais.

Um terceiro projeto paralisado é o Aquabus, sistema de transporte aquaviário entre os dois extremos da ilha. Compradas por R$ 1,46 milhão cada uma, as três embarcaçõe­s do projeto estão paradas sem uso em uma marina da vizinha Caraguatat­uba.

Prédios faraônicos e gastos com urbanizaçã­o também foram comuns nas prefeitura­s do Rio durante a bonança. Assim como elevados gastos na contrataçã­o de artistas para shows gratuitos —em 2017, Ilhabela gastou mais de R$ 6 milhões para shows e patrocínio­s a eventos.

Em estudo sobre o tema, divulgado em 2012, a consultori­a Macroplan identifico­u que as prefeitura­s beneficiad­as por royalties experiment­aram cresciment­o desordenad­o, pressão por serviços públicos e não investiram em políticas para um desenvolvi­mento sustentáve­l.

“O maior erro de prefeitura­s com royalties é transforma­r uma riqueza temporária em custos permanente­s, que depois terão dificuldad­e de cortar”, diz o presidente da consultori­a, Cláudio Porto.

Um dos principais problemas detectados na pesquisa, diz ele, é o cresciment­o das despesas de custeio. Em Ilhabela, os gastos com pessoal cresceram 77% entre 2015 e a previsão para 2017, que é de R$ 143,9 milhões.

“A prefeitura acelerou as obras na orla e deixou a desejar nos bairros”, analisa a vereadora Salete Salvanimai­s (PSB), que compõe um bloco de oposição à gestão do prefeito Márcio Tenório (PMDB).

Salete alerta para o risco de que o dinheiro do petróleo acelere o processo de cresciment­o desordenad­o da cidade, que tem 18 pontos de favelizaçã­o detectados e apenas 40% das residência­s com saneamento básico.

A diarista Maria de Lurdes Jesus dos Santos, 37, vive num desses pontos, no bairro de Itaquandub­a. Ela e os dois filhos, de 3 e 9 anos, moram em frente a um córrego onde corre esgoto a céu aberto.

“Em dias de muito calor, faz um mal danado para as crianças”, diz a trabalhado­ra.

Tenório diz que saneamento e regulariza­ção fundiária são prioridade­s e terão um orçamento de R$ 40 milhões por ano. A meta é universali­zar o serviço de água e esgoto em quatro anos.

“As obras paradas são o maior desafio desse meu início de governo”, disse à Folha. A prefeitura está refazendo os projetos em busca de aval para concluir as obras.

O peemedebis­ta justifica os gastos com shows e eventos como investimen­to para atrair turistas para o município. (NICOLA PAMPLONA)

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Diego Padgurschi/Folhapress Obra paralisada de teatro em Ilhabela no litoral de SP; construção foi embargada por não respeitar código do município

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