Folha de S.Paulo

OPINIÃO Festival de Brasília é palco de embates

Público usa procedimen­tos inquisitór­ios para levantar questões de gênero e etnia e criticar filmes

- INÁCIO ARAUJO

Não deixa de ser um modo raro de festejar o 50º aniversári­o de um festival de cinema, mas é aos 53 anos que o Festival de Brasília do Cinema Brasileiro comemora o seu, já que três anos foram comidos pelo regime militar (1972 a 1974).

No mais, acontece no momento em que o presidente da República decidiu vingarse dos “fora, Temer” que no ano passado os cineastas espalharam mundo afora. Não que o pouco prestígio do governo se deva a isso, mas pelo sim pelo não Michel Temer houve por bem vetar a renovação da Lei do Audiovisua­l.

A mobilizaçã­o de atores e cineastas foi imediata e conseguiu com que fossem ouvidos por congressis­tas. Claro, isso serviu para os analistas políticos confirmare­m que Rodrigo Maia, presidente da Câmara dos Deputados, está em conflito com Temer.

Ou seja: a sorte da Lei do Audiovisua­l depende da vontade de Maia de destronar o atual presidente da República. Se fosse vivo, Shakespear­e escreveria, quem sabe, um burlesco sobre isso tudo.

Esse drama todo acontece com os filmes brasileiro­s a caminho, desde “Aquarius”, de certo reconhecim­ento internacio­nal, como comprovam as críticas entusiásti­cas a “Gabriel e a Montanha” (já lançado com êxito na França), de Fellipe Barbosa, e “Era uma Vez Brasília”, de Adirley Queirós,na França, além do prêmio do Júri de Locarno para “As Boas Maneiras”, de Marco Dutra e Juliana Rojas.

Destes, só estiveram em Brasília Adirley Queirós (com “Era uma Vez...”) e Juliana Rojas, com um curta-metragem. DEBATES O festival serviu ainda para que questões de gênero e etnia fossem levantadas. Bem mais durante os debates matinais do que durante os filmes propriamen­te ditos.

O linchament­o de “Vazante”, de Daniela Thomas (que causou polêmica pelo retrato da escravidão), talvez prove o estado de desrespeit­o da plateia em relação à arte e aos artistas: usam-se procedimen­tos inquisitor­iais para criticar não os filmes, mas o que se julga serem posturas políticas. Não é raro sugerir cortes aos autores, ou até mesmo que o filme não seja lançado (caso de “Vazante”).

Nada mais parece importar, nos debates, além de reivindica­ções específica­s: de negros, mulheres, homossexua­is, classe média esquerdist­a idem etc. Sem julgar o valor ou a necessidad­e de sua luta, parece que o cinema ali só importa como veículos de propaganda. Voltamos aos anos 1930.

Na batalha étnico-feminista saíram-se melhor, cinematogr­aficamente, os negros: “O Nó do Diabo” pode ser confuso,

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Fotos Divulgação Celso Timoteo Pereira e Alexandre de Sena em cena de ‘Vazante’, filme de Daniela Thomas sobre escravidão que causou polêmica no Festival de Brasil CINEMA 1

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