Folha de S.Paulo

Moradores ‘refugiados’ retornam à Rocinha após final de semana tenso

- MARINA ESTARQUE

O conflito na Rocinha, no Rio de Janeiro, fez moradores da favela saírem das suas casas para se refugiar em outros pontos da cidade, além de mudar a rotina de cariocas em diferentes bairros.

Nesta segunda-feira (25), após uma madrugada sem confrontos, moradores da comunidade começaram a retornar para suas casas, mas ainda apreensivo­s. Na sextafeira (22), uma intensa troca de tiros provocou pânico na cidade e culminou com o cerco do Exército à favela.

A maranhense A.P., 21, que prefere não revelar seu nome com medo de represália­s, ficou mais de uma semana com o marido e os dois filhos na casa de uma amiga, na parte baixa da Rocinha, perto da estação de metrô São Conrado.

“A gente mora na mata, no alto. Não dava para subir pelo toque de recolher e ficamos com medo. Estamos voltando para casa só hoje. Enquanto a polícia estiver aqui, não tem tranquilid­ade, porque o confronto pode acontecer de novo a qualquer momento”, diz.

Receosa, A.P. olhava frequentem­ente para os lados ao dar a entrevista. “Aqui é um mundo totalmente diferente do resto lá fora, fico preocupada até de estar falando com você aqui na rua.”

Funcionári­a de uma loja, ela diz que conseguiu chegar ao trabalho, já que estava perto do metrô. A filha, de seis anos, mesmo estudando em bairro próximo, o Leblon, não conseguiu ir para a aula. “O ônibus escolar não rodou porque eles ficaram com medo.”

A ascensoris­ta Cinthia Oliveira de Sousa, 26, também retornou para a Rocinha.

Ela ficou na casa da mãe, na comunidade Gardênia Azul, em Jacarepagu­á, entre sexta e domingo. “Meu marido precisou ficar na Rocinha, ficamos separados no fim de semana. Então ontem decidi voltar, mas o clima está muito pesado. A qualquer hora pode ter tiroteio de novo.”

A cozinheira Ivonete Silva, 66, se refugiou com o neto em um apartament­o em Bangu, na zona oeste, na sexta-feira passada. Os dois voltaram para a Rocinha nesta segunda.

“Meu neto tem só 16 anos, fiquei preocupada com ele. Toda hora tinha tiroteio e tem muita polícia e Exército aqui.” LOCAL DE PASSAGEM O conflito também afetou a rotina de moradores de outros bairros do Rio, uma vez que a Rocinha fica em uma região de passagem, no caminho entre as zona sul e oeste.

A bancária Maria Clara Maximiano,

CINTHIA OLIVEIRA DE SOUSA, 26

ascensoris­ta e moradora da Rocinha 20, deixou o carro em casa, na Barra da Tijuca (oeste), e passou a usar o metrô para chegar ao trabalho, em Ipanema (sul).

“É mais seguro. E, nos últimos dias, tantas ruas e acessos foram fechados que o trânsito ficou horrível. Então de metrô também é mais rápido. No banco muitas pessoas chegaram atrasadas. Mesmo quem não mora na Rocinha é afetado, porque é caminho para todo mundo.”

A médica Fabiana Polinelli, 32, precisa fazer o mesmo trajeto de Maria Clara diariament­e, mas no sentido oposto. Ela trabalha na Barra e mora no Leblon, na zona sul. Na última sexta-feira, ao sair do plantão, pediu que o marido pegasse o metrô e fosse encontrá-la no hospital.

A médica cita a experiênci­a do marido com esse tipo de situação, uma rotina em um Estado em grave crise financeira e de segurança pública.

“Eu estava de carro, mas estava com medo de passar sozinha pela região da Rocinha. Ele trabalha em São João de Meriti [na Baixada Fluminense] e pega a linha vermelha todo dia, que é muito tensa. Então ele sabe dirigir na contramão, se tiver tiroteio e precisar voltar. Ele já passou por isso várias vezes”, explica. RESTAURANT­ES VAZIOS Dona de dois restaurant­es na zona sul, um no Leblon e outro em Copacabana, Carolina Caldas, 60, decidiu ficar em casa na última sexta-feira.

Moradora de uma área nobre de São Conrado, a cinco minutos da favela, a empresária está habituada a ouvir do seu apartament­o os tiroteios na Rocinha. “Acho terrível dizer isso, mas eu me acostumei, durmo mesmo com o barulho. Só que nos últimos dias foi muito pior, os tiroteios foram muito intensos e fecharam várias ruas”, disse ela.

De folga na última sexta-feira, Carolina cancelou todas as outras atividades programada­s para o dia: um exame de saúde, a caminhada habitual, as compras no supermerca­do.

Nos restaurant­es, remanejou as equipes para que os funcionári­os da Rocinha pudessem voltar mais cedo. Os clientes também preferiram ficar em casa. “Na sexta-feira o Leblon estava vazio. Acho que tivemos só metade do movimento normal”, conta.

Nos dias seguintes, Carolina tentou retomar a rotina. “Não dá para ficar refém do medo, a vida segue.”

Meu marido precisou ficar na Rocinha, ficamos separados. Então decidi voltar, mas o clima está muito pesado. A qualquer hora pode ter tiroteio de novo

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Ricardo Borges/Folhapress A cozinheira Ivonete Silva, 66, que foi com o neto para um apartament­o em Bangu (zona oeste do Rio) na sexta e voltou para a Rocinha nesta segunda

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