Vencedor de Brasília, ‘Arábia’ é pequena joia
Filme coloca diretores Affonso Uchoa e João Dumans no mapa e mostra vigor e originalidade da ‘escola de Contagem’
FOLHA
Pouca gente conhece Affonso Uchoa e João Dumans: são os diretores de “Arábia”, escolhido o melhor filme do Festival de Brasília. É de esperar, porém, que logo se tornem conhecidos. Seu filme é uma pequena joia.
Trata-se da trajetória profissional e afetiva de um operário que vagueia do campo à cidade, das metalúrgicas a oficinas, com eventual passagem pela prisão. Momento a momento ele observa o mundo que o cerca e a si mesmo com uma simplicidade aguda, poética, compondo um monólogo (o filme é todo narrado a partir de seu diário) digno da grande prosa mineira.
O filme é a afirmação definitiva do que se poderia chamar de “escola de Contagem”, cidade industrial próxima a Belo Horizonte (20 km) que, desde a primeira década do século, tem se destacado pela originalidade e pelo vigor do núcleo de cineastas que lá se formou.
Também de uma cidade-satélite vem o prêmio de melhor direção, concedido a Adirley Queirós. Um cineasta já conhecido (é autor de “Preto Sai, Branco Fica”) que neste ano trouxe a fábula futurística “Era uma Vez Brasília”.
O princípio já é em si fabuloso: um extraterrestre é enviado ao Brasil para matar o presidente Juscelino Kubitschek.
A nave, no entanto, se perde no tempo, e ele chega a Brasília em período indeterminado, entre o discurso inaugural de Juscelino e o de Temer ao tomar o poder: ambos anunciando a Terra Prometida aos brasileiros.
A ficção científica de Adirley desta vez avança para uma angustiada opacidade: nada se dá de graça ao espectador. Mesmo a localização dos personagens, naqueles vazios de Ceilândia, reforça a angústia de um filme noturno e soturno, marcado pela imagem, ao longe, de uma ao Brasília que parece tão inatingível quanto as promessas presidenciais.
A mesma opacidade que deve dificultar sua carreira comercial no Brasil tende a abrir-lhe portas no exterior (o crítico do “Libération”, que viu o filme no Festival de Locarno, escreveu que sua exibição na França era “urgentemente necessária”).
Ainda é preciso destacar “A Moça do Calendário”, de Helena Ignez, exibido fora de competição. Ela retoma um roteiro de Rogério Sganzerla, mas desta vez sua personalidade de cineasta surge mais segura do que em “Luz nas Trevas” (2010). Bela chance para enterrar a expressão “cinema marginal”, em que só a Academia Brasileira de Cinema parece acreditar hoje em dia.
Entre os curtas, a vitória de “Tentei” consagra um filme simpático, marcadamente feminista, de produção ínfima, que levou a Brasília uma equipe de Curitiba armada até os dentes com um interminável discurso sobre “lugar da fala”, “subjetividade” etc.
No entanto, a fluidez da história da mulher agredida pelo marido que toma coragem para denunciá-lo leva a crer que, na próxima vez, as autoras podem deixar que o filme fale por elas. Ele fala — ou antes, mostra.