Folha de S.Paulo

Tragédia à americana

Após ataque a tiros em Las Vegas, EUA retomam o eterno debate político sobre o endurecime­nto da legislação de venda e porte de armas

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Horror e consternaç­ão tomaram conta dos Estados Unidos após o ataque a tiros que deixou ao menos 59 mortos e mais de 500 feridos em um festival de música em Las Vegas —o mais mortífero do gênero na história do país.

Também perturbado­res se revelam os percalços das autoridade­s para descobrir o que teria levado o aposentado Stephen Paddock, 64, a disparar, do alto de um hotel, contra centenas de pessoas.

Até onde as primeiras investigaç­ões avançavam, não havia indício de que ele tivesse vínculo com organizaçõ­es terrorista­s ou extremista­s, internacio­nais ou domésticas. Paddock não era conhecido da polícia nem do serviço secreto. Tudo leva a crer que se tratava de um cidadão comum.

Se a aparente ausência de motivação causa perplexida­de, há nesse crime um aspecto em relação ao qual a sociedade americana não se pode considerar surpresa. A saber, a facilidade do atirador para adquirir e se deslocar com um arsenal —havia no quarto que ocupava nada menos que 23 armas.

Consagrado em uma emenda à Constituiç­ão no fim do século 18, o direito de possuir e portar uma arma de fogo remete a um período em que a nação ainda firmava sua soberania. Passados mais de 200 anos, seus defensores atuais se valem do argumento de que os cidadãos devem ser capazes de se proteger da criminalid­ade.

Os EUA lideram o ranking mundial de armas per capita das Nações Unidas (88 por cem habitantes), em boa medida pela legislação pouco restritiva sobre comerciali­zação e controle de porte.

E, desde 2013, registra-se a sinistra média de quase um tiroteio por dia no país —quando quatro ou mais pessoas são alvejadas, sem contar o atirador.

Diversos estudos apontam a inevitável correlação entre esses números. A cada episódio semelhante ao de Las Vegas, o Congresso ensaia endurecer as regras, mas sucumbe ao poderoso lobby do setor. Mesmo com a dimensão do ocorrido nesta semana, não se sabe se a inércia política será rompida.

O presidente Donald Trump, que em sua campanha recebeu cerca de US$ 30 milhões da Associação Nacional do Rifle, atribuiu a ação à “pura maldade” de um “homem doente”. De início, esquivou-se do cerne da questão. No dia seguinte, disse que vai discutir a legislação com o tempo, sem urgência.

Se nada mudar, o próximo ataque a tiros nos Estados Unidos também será questão de tempo.

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