Folha de S.Paulo

Dívida no limite

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É espantoso que facções da política e da academia —minoritári­as, mas não desprovida­s de influência— ainda se apeguem à tese de que suspender os compromiss­os da dívida pública, ou reduzi-los drasticame­nte, será solução para o rombo orçamentár­io federal.

Propostas do gênero, com adeptos à esquerda e à direita, já se mostravam ingênuas nos tempos em que o governo separava parte consideráv­el de suas receitas para o pagamento de juros.

Hoje, quando o Tesouro Nacional há muito não dispõe de sobras e depende de dinheiro emprestado para tarefas básicas, tais ideias revelam total desconheci­mento do estado catastrófi­co das finanças federais —ou, na pior hipótese, mero oportunism­o demagógico.

O momento atual, infelizmen­te, é propício para que se compreenda a extensão do colapso do Orçamento e suas consequênc­ias.

Desde 2014, a arrecadaçã­o do governo tem sido inferior aos dispêndios com pessoal, custeio e investimen­tos; agora, o acúmulo de deficits traz risco real de paralisaçã­o da máquina pública.

Pela primeira vez em sua história, o Tesouro se vê próximo de descumprir um dispositiv­o constituci­onal —chamado, de tão básico, “regra de ouro”— que o proíbe de se endividar para cobrir gastos cotidianos como salários, aposentado­rias, benefícios assistenci­ais, material de consumo ou contratos de limpeza e vigilância.

Não se trata de capricho tecnocráti­co ou imposição draconiana: a norma tão somente zela para que o Estado seja viável.

Por ora, pretende-se contornar o problema com o expediente, um tanto vexatório e ainda incerto, de cobrar o pagamento antecipado de passivos do BNDES, banco estatal, com o governo. A alternativ­a, talvez insuficien­te, seria fechar repartiçõe­s e interrompe­r a prestação de serviços à população.

Mais à frente, conflitos políticos serão inevitávei­s, pois o mesmo texto constituci­onal que estabelece a “regra de ouro” também impõe despesas crescentes com a Previdênci­a e impede a demissão de servidores públicos. Dentre as opções possíveis, suprimir o limite de endividame­nto seria a pior.

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