Folha de S.Paulo

Incra restringe recursos para assentamen­tos rurais

Projeto para 2018 prevê diminuição de 64% para desenvolvi­mento e de 86% para assistênci­a

- RENATA GUERRA ANA MAGALHÃES

Desde abril, servidores do Instituto Nacional de Colonizaçã­o e Reforma Agrária (Incra) recebem incentivos para dar títulos individuai­s de propriedad­e da terra ao maior número possível de assentados da reforma agrária.

Quando ligam seus computador­es, encontram na tela o “titulômetr­o”, nome oficial de um ranking que fixa metas e premia as superinten­dências regionais que mais emitem esses títulos. Como prêmio mensal, a equipe “medalha de ouro” ganha 8 notebooks; a de “prata”, 6, e a de “bronze”, 4.

Anunciado internamen­te como mecanismo de eficiência, o titulômetr­o é criticado por movimentos de defesa da reforma agrária, para quem a missão do instituto mudou de criar e fortalecer o desenvolvi­mento de assentamen­tos para conceder títulos individuai­s.

Assentamen­tos exigem que o Incra promova o investimen­to em estradas, escolas e postos de saúde, além de financiame­nto para o plantio.

“O Incra dá esses títulos justamente para que as famílias saiam da alçada do governo”, diz Reginaldo Marcos Félix de Aguiar, da diretoria da Confederaç­ão Nacional das Associaçõe­s dos Servidores do Incra.

Ao virar proprietár­io, o assentado perde uma série de benefícios. “Quando o agricultor é assentado, ele busca fi- nanciament­o do Pronaf [Programa Nacional de Fortalecim­ento da Agricultur­a Familiar], com juros baixos.

Quando ganha o título, ele tem que buscar esse crédito por conta própria, em bancos privados, o que é mais difícil”, afirma a coordenado­ra da Comissão Pastoral da Terra no Mato Grosso, Elizabete Flores.

Com essas dificuldad­es e com o título de propriedad­e em mãos, a tendência é que os pequenos agricultor­es vendam o imóvel, afirma Igor Rolemberg, antropólog­o e pesquisado­r dos conflitos fundiários na Amazônia. “E é o fazendeiro próximo que vai comprar, o que aumenta a concentraç­ão fundiária e aquece o mercado de terras.”

O titulômetr­o consagra uma mudança que já estava em curso no Incra. Entre 2015 e 2016, enquanto a emissão de títulos aumentou de 1.222 para 7.356, a quantidade de famílias assentadas caiu de 26.335 para 1.686.

O esvaziamen­to da política de criação e fortalecim­ento de assentamen­tos é confirmado pela previsão orçamentár­ia para o ano que vem.

Embora o Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentár­ias (PLDO) preveja redução de apenas 3% no orçamento total do Incra, há cortes significat­ivos para criação, apoio e infraestru­tura aos assentamen­tos.

Se a previsão for confirmada, em 2018 haverá redução de 64% na verba de desenvolvi­mento de assentamen­tos rurais, 86% a menos para assistênci­a técnica e extensão rural e uma redução de 83% para a obtenção de imóveis rurais para a reforma agrária. ESVAZIAMEN­TO Para Rolemberg, mesmo com a economia promovida pela concessão de títulos, “a conta não vai fechar”. “Com os cortes orçamentár­ios, não será possível emancipar os assentamen­tos em boas condições e com infraestru­tura consolidad­a”, afirma.

Elaborado pelo executivo, o PLDO ainda precisa ser aprovado pelo Congresso até o fim do ano, podendo ser alterado pelos parlamenta­res.

Pesquisado­res e servidores do Incra consideram que o titulômetr­o e os cortes consolidam o esvaziamen­to da reforma agrária, que teve início em 2009, no governo Lula.

Isso teria se iniciado com o Terra Legal, programa de regulariza­ção fundiária que prioriza a concessão de títulos de propriedad­e.

“O objetivo do Terra Legal sempre foi titular as terras, enquanto que o Incra só emitia os títulos depois de comprovar a autossufic­iência dos assentamen­tos”, afirma Cândido Cunha, engenheiro agrônomo da Superinten­dência do Incra de Santarém, no Pará.

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