Folha de S.Paulo

Menino de 13 anos é encontrado em cela de estuprador no Piauí

Garoto foi deixado pelo pai com detento que conheceu na cadeia; família recebia ajuda de preso

- YALA SENA ALINY GAMA

Agentes viram menor de idade sem camisa escondido sob a cama; condenado nega ter abusado de menino

Um menino de 13 anos foi encontrado dentro de uma cela com um preso condenado por estupro de vulnerável na colônia agrícola Major César de Oliveira, em Altos, região metropolit­ana de Teresina.

O caso foi descoberto no início da madrugada de domingo (1), quando agentes penitenciá­rios observaram que, ao término do período de visita, um visitante não havia saído do presídio do Piauí.

Agentes de plantão entraram em todas as celas e encontrara­m o menino sem camisa, escondido sob a cama de José Ribamar Pereira Lima, 65, condenado por dois estupros de vulnerávei­s em Aroazes (a 219 km de Teresina), ocorridos em 2008 e 2009.

O menino, que disse já ter dormido no presídio anteriorme­nte, passou quase 16 horas dentro do local, que tem capacidade para 290 detentos, mas abriga 380.

Ele foi levado ao local pelo próprio pai, que, à Folha, negou ter recebido recompensa financeira para deixar o filho com o preso na cela. Ele disse que o detento é seu “compadre” e que não viu nenhum perigo em deixá-lo lá.

Segundo policiais, o pai do garoto disse que o preso ajuda a família e às vezes dá presentes para os filhos. Questionad­o pela reportagem, o pai só confirmou receber a ajuda na alimentaçã­o. “Ele [o preso] dá algumas coisas para a gente comprar arroz, feijão.” COLEGA DE PRISÃO “Foi o menino que pediu para ficar com ele [o preso]. Eu deixei porque no outro dia ia trabalhar lá [no presídio]. Não sabia que ia dar o BO. Eu não sabia que ele era estuprador, ele me enganou e me disse que tinha apenas matado a mulher”, afirmou o pai do menino deixado na cela.

Já a mãe do garoto disse à polícia que o filho ficou no presídio sem sua autorizaçã­o.

O detento Pereira Lima negou que tenha abusado do menino de 13 anos, mas não quis dar mais detalhes.

Na delegacia, o pai do garoto disse que conheceu o preso há dois anos, quando foi condenado a dez anos por estupro de vulnerável e cumpriu a pena em regime semiaberto. Os dois dividiram a mesma cela na colônia penal e, há seis meses, o pai ficou livre.

“Vim visitar meu compadre, trabalháva­mos na plantação de feijão, melancia e produção de carvão”, disse.

Após deixar o filho no presídio e retornar à cadeia no dia seguinte, o casal recebeu ordem de prisão e foi levado para a central de flagrantes de Teresina. Após depoimento, foram liberados. A criança continua com os pais.

Laudo de exame deu resultado negativo para estupro do menino, mas o delegado Jar- bas Lopes de Araújo Lima, que investiga o crime, disse não descartar que o garoto tenha sofrido abuso sexual. “Não está descartada a prostituiç­ão infantil e vai depender do depoimento do menor, dos pais e do detento.”

A polícia abriu inquérito e ouviu nesta terça (3) o garoto, os pais e o preso. Segundo o delegado, ao menos dois crimes já estão configurad­os: abandono de incapaz e ato vexatório contra a vítima.

A Secretaria de Justiça do Piauí abriu sindicânci­a para investigar o caso. A investigaç­ão, que deve ser concluída em 30 dias, vai apurar em que circunstân­cias a criança foi deixada na unidade e apontar responsáve­is pelo ocorrido. NOÇÃO DE GRAVIDADE O garoto disse ao Conselho Tutelar que ficou no presídio porque o pai pediu. O menino prestou depoimento a um grupo composto por conselheir­o, psicólogo e assistente social.

“Ele relatou que não foi abusado e que, quando o pai estava preso, ele dormiu também no presídio junto com sua mãe”, disse o conselheir­o Romeu Santos Araújo.

O garoto e os pais moram em Mucuim, zona rural de Teresina. O conselheir­o informou que o garoto não estava visivelmen­te abalado “por não ter noção da gravidade”.

O presidente do Sindicato dos Agentes Penitenciá­rios do Piauí, José Roberto Pereira, disse que a criança não poderia ter acesso às celas por ser menor de 18 anos sem autorizaçã­o judicial prévia. “Não existe cadastro de crianças que visitam presos na Major César e isso é muito grave.”

A direção do presídio diz que a entrada de crianças é autorizada sem restrições.

O vice-presidente do sindicato, Kleiton Holanda, disse que o menino de 13 anos relatou a agentes penitenciá­rios que teve suas partes íntimas tocadas pelo preso.

“Não houve conjunção carnal porque os agentes penitenciá­rios chegaram a tempo e evitaram o pior. Há suspeita muito forte de que essa criança foi levada para ser violentada durante a noite. É um caso estarreced­or”, disse.

Segundo o sindicato, o preso foi espancado pela direção do presídio como castigo por ter mantido o garoto dentro da cela. A secretaria estadual informou que está “apurando o suposto espancamen­to”.

Os presídios do Piauí estão superlotad­os, com 4.650 presos, e suas unidades têm, ao todo, capacidade para 2.220.

Outros casos de menores de idade dentro de presídios e delegacias do país já tiveram ampla repercussã­o.

Um dos mais emblemátic­os foi o da então adolescent­e de 15 anos que, em 2007, passou 26 dias presa com cerca de 30 homens numa cadeia de Abaetetuba (PA).

Ela, que sofreu torturas e estupros diários e teve seus cabelos cortados para que parecesse homem, foi apreendida após tentativa de furto de celular. A delegada fez a prisão em flagrante sem conferir idade e identidade, e a menina foi colocada na cela com os detentos. Um preso da delegacia acionou o Conselho Tutelar após ser solto.

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Wilson Filho/Cidade Verde José Ribamar Pereira Lima, 65, condenado por 2 estupros e que estava em cela com garoto
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Divulgação/ Sinpoljusp­i Menino encontrado debaixo da cama de detento no Piauí

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