Folha de S.Paulo

ANÁLISE Subnotific­ado, abuso contra meninos ainda é tabu no país

- CLÁUDIA COLLUCCI

O caso do menino de 13 anos encontrado na cela de um presídio no Piauí é desconcert­ante por vários motivos, porém o mais chocante é a situação de vulnerabil­idade da criança.

No momento em que os pais, por vantagens financeira­s ou não, deixam um filho em uma cela, na companhia de um homem acusado de estupro, é porque as bases familiares já estão minadas há muito tempo.

Ainda que a “conjunção carnal” não tenha sido confirmada, há outros tipos de abuso sendo investigad­os.

São claros os sinais de muita vulnerabil­idade social nesse enredo, mas não é só isso. Há também uma cultura de permissivi­dade em um meio onde se pode ganhar algum dinheiro com a sexualidad­e de crianças.

Nos rincões do país ou mesmo nas periferias das grandes cidades, são frequentes denúncias de meninas agenciadas pela própria família. Na história de quase todas, há miséria, carência educaciona­l, violência e desagregaç­ão familiar.

Que condições têm os pais de ensinar valores aos filhos se nem eles sabem o que é isso? No caso do Piauí, o pai do menino também é acusado de estupro.

Trata-se de um ciclo de violência que se perpetua por gerações. Muitos desses pais e mães também foram abusados na infância, o que naturaliza essa crueldade. FAMÍLIA Não é a toa que as estatístic­as de violência sexual mostram que a família é hoje o grupo social mais perigoso para os pequenos: 24% dos estuprador­es das crianças são os próprios pais ou padrastos e, 32%, amigos ou conhecidos.

O caso do Piauí traz ainda um outro elemento perturbado­r, o estupro de meninos. No Brasil, há um silêncio sobre esse crime e a subnotific­ação é ainda maior em relação às meninas.

Os registros, contudo, são frequentes. Em 2014, o Disque 100 (serviço nacional de denúncia de abuso e exploração sexual contra crianças e adolescent­es) notificou 13 denúncias diárias de abusos de meninos.

Os garotos se sentem constrangi­dos em assumir que sofreram um estupro e tendem a proteger os criminosos. Além da violência, lidam com tabus e estereótip­os sobre masculinid­ade.

A sociedade coloca o homem no comando da sexualidad­e. Quando acontece um abuso, há uma ruptura “na ordem natural das coisas”. Em muitos casos, os garotos têm até dificuldad­e em entender que estão sendo abusados ou acabam sendo levados a questionar a sua sexualidad­e.

É preciso que se abra canais de escuta e de acolhiment­o para esses meninos, que eles saibam que homens podem e devem chorar. E que, muitas vezes, não conseguem se defender sozinhos, precisam de ajuda.

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