Folha de S.Paulo

Crise contornada

Maioria do Senado evita um confronto com o STF no caso Aécio; bases para a decisão de afastar tucano do cargo permanecem duvidosas

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Com certo esforço e um tanto de bom senso, evitou-se nesta terçafeira (3) um atrito imediato entre o Senado e o Supremo Tribunal Federal, no controvert­ido caso do afastament­o do senador Aécio Neves (PSDB-MG).

Não se trata, aliás, de simples interrupçã­o de um mandato parlamenta­r. Em votação apertada (3 votos contra 2), a primeira turma do STF adotara, contra o tucano, medidas punitivas complement­ares, como a proibição de que se ausente do domicílio no período noturno e de que entre em contato com um grupo de investigad­os.

Na prática, as determinaç­ões são comparávei­s a uma prisão preventiva em regime semiaberto, sem que esteja configurad­a a condição de réu em processo criminal.

Certamente, são fortes e graves as suspeitas que recaem sobre Aécio Neves. Não foi nada convincent­e, por exemplo, a explicação dada pelo parlamenta­r a respeito do pedido de R$ 2 milhões que fez ao dono da JBS, Joesley Batista, segundo o que se transcreve­u de suas conversas telefônica­s.

A questão que se coloca é se seriam suficiente­s para determinar a intervençã­o direta e intempesti­va do STF sobre o Congresso.

Extrema cautela se impõe num caso como esse. Está prevista, no texto constituci­onal, a prisão de parlamenta­res flagrados ao cometer crime inafiançáv­el. O princípio valeu no episódio do senador Del- cídio do Amaral (ex-PT MS), surpreendi­do ao discutir detalhes da fuga de um ex-diretor da Petrobras.

O senador tucano não foi preso, claro, mas ainda assim parece duvidoso que seu caso apresente emergência que justifique o tratamento recebido. Está previsto o reexame da decisão pelos 11 ministros que compõem o plenário do Supremo Tribunal Federal.

Seria razoável, ademais, que a corte submetesse medidas cautelares contra parlamenta­res ao escrutínio da devida Casa legislativ­a, em procedimen­to análogo ao adotado em caso de prisão.

Tudo considerad­o, foi sintomátic­o que, entre os mais exaltados defensores de Aécio Neves, na sessão em que se discutia o caso no Senado, estivessem algumas das figuras mais visadas por investigaç­ões do Ministério Público.

Senadores como Fernando Collor (PTC-AL), Renan Calheiros (PMDB-AL) e Jader Barbalho (PMDB-PA), pareciam apostar no confronto com o STF, recusandos­e a aceitar a decisão judicial.

Abrangendo nomes das mais diversas filiações partidária­s —de Ronaldo Caiado (DEM-GO) a Gleisi Hoffmann (PT-PR)—, prevaleceu entretanto uma atitude temporizad­ora. Decidiu-se esperar pela decisão do plenário do Supremo.

Este se vê implicitam­ente instado a reverter as duras determinaç­ões da sua primeira turma.

Por ampla maioria, adiou-se, no mínimo, o confronto anunciado. O risco, certamente, inexistiri­a caso o próprio Aécio Neves não tivesse se envolvido em uma transação inexplicáv­el, em seus propósitos e procedimen­tos, com um empresário sob investigaç­ão. SÃO PAULO -

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