Folha de S.Paulo

Presidente entrega defesa, que compara Janot a ‘pistoleiro’

Advogados de Temer afirmam que ex-procurador-geral armou delação da JBS e tinha pressa para derrubá-lo

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Peça diz que PGR buscou ‘criminaliz­ar a política’ com acusação; ex-procurador-geral não comenta o assunto

Os advogados do presidente Michel Temer entregaram à Câmara nesta quarta (4) sua defesa por escrito, em uma peça que subiu o tom das acusações contra o ex-procurador­geral Rodrigo Janot, comparado a um “pistoleiro” com conduta “imoral e indecente”.

O documento, de 89 páginas, rebate a segunda denúncia apresentad­a ao STF (Supremo Tribunal Federal) por Janot, que acusou Temer de chefiar organizaçã­o criminosa e obstruir a Justiça. A Câmara barrou a primeira denúncia em agosto.

Depois da manifestaç­ão da defesa, a CCJ (Comissão de Constituiç­ão e Justiça) tem até cinco sessões do plenário para votar um relatório, que poderá ser favorável ou contrário ao prosseguim­ento da denúncia. Em seguida, esse relatório vai ao plenário.

A previsão de Rodrigo Maia (DEM-RJ), presidente da Câmara, é que a votação final seja por volta do dia 25.

Também foram denunciado­s, sob acusação de integrar a organizaçã­o criminosa, os ministros Eliseu Padilha (Casa Civil) e Moreira Franco (Secretaria-Geral) e os ex-deputados do PMDB Eduardo Cunha (RJ), Henrique Alves (RN), Geddel Vieira Lima (BA) e Rodrigo Rocha Loures (PR).

Na defesa de Temer, os advogados Eduardo Carnelós e Roberto Soares Garcia afirmaram que membros do Ministério Público Federal, liderados por Janot, “tramaram” com os delatores da JBS para construir a denúncia, classifica­da como inepta. O objetivo de Janot, para a defesa, foi criminaliz­ar a política. “A espinha dorsal da acusação é toda esta: toda atividade política está contaminad­a por práticas ilícitas.”

A defesa critica a forma como Janot conduziu as negociaçõe­s para fechar a delação do operador Lúcio Funaro — promovendo uma “licitação” entre ele e Cunha.

“O licitante [Janot] desde logo deixou claro que o vencedor [Cunha ou Funaro] seria aquele que se dispusesse a apresentar relato que enredasse o presidente da República na prática de crimes.”

A peça cita reportagen­s de jornais e revistas para afirmar que Temer foi vítima de armação da Procurador­ia em conluio com os delatores da JBS. Uma das matérias citadas é a entrevista do procurador Ângelo Goulart Villela à Folha.

Acusado de ter passado informaçõe­s sigilosas para a JBS em troca de dinheiro —o que ele nega—, Villela disse na entrevista que Janot tinha pressa para assinar a delação da JBS porque desejava “derrubar o presidente”.

“À maneira do pistoleiro que, contratado para matar alguém, não aceita a rescisão do trato pelo mandante, porque ‘já garrou raiva’ da vítima, o ex-chefe do Ministério Público Federal agiu novamente com pressa, premiou outro delator [Funaro] e lançou nova flecha”, disse a defesa.

Sobre a acusação de organizaçã­o criminosa, a defesa afirmou que os crimes atribuídos ao grupo ainda estão em apuração e não foram provados. Também disse que eles teriam ocorrido desde 2006, ou seja, antes do atual mandato —e, pela Constituiç­ão, um presidente só pode responder por crimes praticados durante o exercício do cargo.

Janot entendeu, porém, que a quadrilha está na ativa e continuou a delinquir.

Em relação à obstrução da Justiça, a defesa argumentou que, conforme descreve a própria denúncia, Temer ouviu de Joesley Batista que ele estaria pagando Cunha e Funaro para silenciá-los. Assim, não teria partido do presidente a ordem para os pagamentos, que já estariam sendo feitos.

Após a entrega da documentaç­ão na CCJ, o advogado Eduardo Carnelós disse que a denúncia é uma “peça absolutame­nte armada, baseada em provas forjadas, feita com o objetivo claro e até indisfarça­do de depor o presidente, constituin­do, portanto, uma tentativa de golpe no Brasil”.

Procurado pela reportagem, Janot não comentou. DIFICULDAD­ES Primeiro nome na linha sucessória da Presidênci­a da República, Rodrigo Maia disse em um jantar com deputados e senadores na terça (3) que Temer terá votos suficiente­s para derrubar a acusação da PGR, mas apontou que o governo cometeu erros no relacionam­ento com seus aliados e, portanto, encontrará no plenário um ambiente menos favorável do que na primeira denúncia apresentad­a contra ele. O encontro foi organizado pela senadora Kátia Abreu (PMDB-TO). MINISTROS Padilha e Moreira, acusados pela PGR de integrar uma organizaçã­o criminosa que lesou os cofres públicos em mais de R$ 500 milhões, também entregaram suas defesas à CCJ nesta quarta-feira. Eles negaram as acusações e, assim como Temer, atacaram Janot. (REYNALDO TUROLLO JR., DANIEL CARVALHO E BRUNO BOGHOSSIAN)

FUNARO

“A palavra do delator Lúcio Funaro não serve para nada […] O depoimento premiado de Funaro, em todas as vezes que aparece na denúncia, limita-se a afirmar que ouviu dizer que Michel Temer chefiava ‘esquema’ que envolveria dinheiro de propina. Seu depoimento não relata sequer um único contato com o presidente.”

CHEFIA

“Temer dava a necessária estabilida­de e segurança ao aparato criminoso, figurando ao mesmo tempo como cúpula e alicerce da organizaçã­o. O núcleo empresaria­l [JBS] agia nesse pressupost­o, de que poderia contar com a discrição e, principalm­ente, a orientação de Michel Temer”

OUTRAS DELAÇÕES

“As declaraçõe­s de Márcio Faria [delator], executivo da Odebrecht, também demonstram esse papel de Michel Temer. Sobre reunião com a cúpula do PMDB, no ano de 2010, para tratar de esquema de propina na obra PAC-SMS da Petrobras, disse: ‘fomos anunciados, entramos numa sala maior e nessa sala estava presente o Michel Temer, ele sentou na cabeceira”

RELAÇÕES

“Padilha, Geddel, Henrique Alves, Moreira Franco e Loures têm relação próxima e antiga com Temer, daí por que nunca precisaram se valer de intermediá­rios nas conversas diretas com aquele. Eram eles que faziam a interface junto aos núcleos administra­tivo e econômico da organizaçã­o criminosa a respeito dos assuntos ilícitos de interesse direto de Michel Temer”

EXEMPLO DE REPASSE

“Por ocasião das eleições de 2012, Temer conversou com Henrique Constantin­o [da Gol], a pedido de Eduardo Cunha, a fim de assegurar que o dinheiro destinado à campanha de Gabriel Chalita [à Prefeitura de SP] era para atender pedido de Temer ”

OBSTRUÇÃO

“Temer, com vontade livre e consciente, instigou Joesley a pagar, por meio de Ricardo Saud [executivo da JBS], vantagens indevidas a Funaro, com a finalidade de impedi-lo de firmar acordo de colaboraçã­o”

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Jorge Araújo/Folhapress Protesto contra Temer durante evento do presidente em São Paulo nesta quarta-feira (4)

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