Folha de S.Paulo

MINHA HISTÓRIA DESTINO DE IMIGRANTE

Mineira que mora nos EUA desde os sete anos teme ser deportada após Trump propor mudança na lei

- ISABEL FLECK

Quando saí do Brasil, tinha entre seis e sete anos. Meu pai tinha vindo para os Estados Unidos dois anos antes.

Morava na roça, em Vermelho Novo, perto de Governador Valadares (MG). As coisas eram muito difíceis lá, e meu tio, que já estava nos EUA, falou para o meu pai vir que ele o ajudaria.

Eu, minha mãe e meus irmãos mais novos fomos de São Paulo para o México e ficamos três dias presos num quarto de hotel com outros nove adultos, só esperando o coiote falar para atravessar­mos.

De lá, fomos levados para uma casa perto da fronteira. Tinha perfume, relógio, roupa, tudo espalhado. O pessoal deixava tudo para trás, porque o coiote não deixava levar nada. A minha mãe nos fez vestir três calças, quatro blusas, uma em cima da outra.

No meio da noite, nos levaram até a beira do rio, nos co- locaram num pneu de caminhão e atravessar­am a gente nele, pela água, até o Texas. Foi terrível, porque eu não sabia nadar. Fomos até um posto de gasolina, mas a Imigração apareceu e nos levou.

A única coisa que eu lembro é que nos liberaram depois de uma hora, depois que tiraram as digitais da minha mãe e uma foto. Fomos de ônibus até Nova Jersey, onde estava meu pai.

Do Brasil, lembro que nossa vida era difícil. Só que eu já estava acostumada. Então, para mim, nova, sair de lá foi meio estranho. Tive que me acostumar com o frio, com coisas que não existiam lá.

Nunca entendi direito o que estava acontecend­o. A única coisa que me importava era ficar com meus pais e irmãos. A partir do momento em que a minha família estava de novo unida, tudo tinha valido a pena.

Moramos um ano em Nova Jersey, mas as coisas eram mais difíceis com os imigrantes e a gente não podia estudar, porque não tinha documentaç­ão. Quando mudamos para Filadélfia, eu e meus irmãos conseguimo­s estudar, apenas com a certidão de nascimento. Aprendi inglês bem rápido, fiz amizades, era tudo natural.

Comecei a sentir que eu não era igual aos meus colegas aos 13 anos, quando precisei tirar um “social” [número de seguridade social] para entrar em escolas de ensino médio, e minha mãe disse que eu não podia.

Foi então que perguntei se eu era ilegal, e ela me disse que sim. Minha revolta começou aí. Eu pensava: eu vim para cá pequena, cresci aqui, como sou ilegal?

Eu me candidatei ao Daca [programa que legalizou o status de 800 mil jovens imigrantes nos EUA] assim que ele saiu, em 2012. Tive esperança, me senti tão bem de poder tirar carteira de motorista, de não dirigir com aquele medo que a comunidade brasileira tem de ser parada, de ser deportada. Deu um alívio saber que eu ia poder seguir a minha vida sem ter que me preocupar com deportação.

O Daca me deu oportunida­de de viajar para o Brasil em 2013 e visitar minha avó. Também pude ir à Europa num programa da minha escola. Eu acabei de renovar o meu Daca, então tenho dois anos a mais e a esperança de que algo pode sair no Congresso nesse tempo. Mas não acho que eu tenha que pensar só em mim.

Hoje, o que eles [governo e parlamenta­res] fazem, para mim, é uma tortura. Todo dia é uma notícia diferente. Os democratas falaram que conseguira­m entrar em acordo com o Trump, mas uma hora depois ele disse que não teve nenhum acordo.

Antes eu me sentia mais segura porque pensava que, como eu e meus irmãos temos o Daca, se meus pais fossem pegos, o governo ia ter mais consideraç­ão. Hoje tenho medo pelos meus pais e pelo meu marido.

Me formei no ensino médio e comecei a trabalhar, porque meus pais não tiveram condição de me mandar para a faculdade. Trabalho como assistente num escritório de advocacia que atende imigrantes. Como eu sou parte desse grupo, acho que é importante defendê-lo.

Minha pretensão é ficar nos EUA, que meu filho cresça aqui, mas eu nunca odiei o Brasil, tenho orgulho de ser brasileira. Só que eu cresci aqui, eu aprendi a língua aqui, eu tenho minhas amizades. Apesar de falar, eu não estudei português.

Quando voltei ao Brasil para visitar minha avó, foi diferente. Reconhecia certas pessoas, mas o lugar era completame­nte estranho para mim. Os costumes são diferentes dos de quem cresceu fora.

Então acho que é diferente para quem chegou aos EUA como criança, e esses casos devem ser tratados de forma diferente, porque uma criança não escolhe vir para cá ou não. Se o pai ou a mãe decidirem sair do país, a criança obviamente vai ter que ir atrás.

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