Folha de S.Paulo

A fé move montanhas de dinheiro

- VINICIUS TORRES FREIRE

DOIS DE cada três benefícios de assistênci­a a pescadores eram obtidos por meio de fraude em 2013 e 2014, descobriu o governo. É fraude no “bolsa pescador”, dinheirinh­o para ajudar essas pessoas a viver nas temporadas em que a pesca é proibida. Sempre foi uma bagunça. Se o benefício continuou a ser fraudado no mesmo ritmo, o desvio chegaria hoje a R$ 1,5 bilhão.

Mas o que é uma fraude bilionária perto de um Refis andando nu pelo Congresso e sendo apalpado por deputados da Frente Parlamenta­r Evangélica? As emendas à medida provisória do Refis depenaram o projeto do governo.

Refis é o nome “pop” de mais um desses programas de parcelamen­to e perdão de impostos e outras dívidas federais atrasadas.

Em menos de seis meses, parlamenta­res já passaram a mão em uns R$ 9,5 bilhões de receitas do Refis, que serão distribuíd­as entre empresas, talvez igrejas e entre os próprios parlamenta­res devedores do fisco.

O que são R$ 9,5 bilhões? Compare-se este saque ao gasto no Bolsa Família, essa popular unidade de conta e comparaçõe­s, um lugar comum desde Lula. O perdão parlamenta­r para atrasos ou calotes nos impostos equivale a quase um terço do gasto anual do Bolsa Família.

Ou seja, com esse dinheiro seria possível aumentar as despesas do Bolsa Família em mais de 30%. Cerca de 13,5 milhões de famílias, as mais pobres desta pobreza brasileira, poderiam comer mais, dando de resto um troco para a claudicant­e indústria de alimentos.

Em meados deste 2017, o governo imaginava arrecadar R$ 13,3 bilhões com o Refis neste ano. Isto é, pegaria uns dinheiros a fim de tapar os buracos nas contas deste ano, mas abrindo mão de um monte de receita em anos seguintes e incentivan­do o calote de impostos. Já era ruim.

No entanto, o Congresso buliu no Refis, que está quase tão pelado quanto aquele performer do Museu de Arte Moderna de São Paulo, a quem parlamenta­res, nesta semana mesmo, prometiam surrar com pau e rabo de tatu (sic).

Agora, o governo vai catar apenas uns trocados, R$ 3,8 bilhões, segundo estimativa­s do Tesouro, que talvez estejam exageradas, dados os jabutis extras que os deputados enfiaram nesta semana na medida provisória.

O que é esta gracinha, promovida pelo deputado Newton Cardoso Júnior (PMDB-MG)? Quase a mesma de julho, quando ele e colaboraci­onistas enfiaram na medida provisória favores para igrejas, clubes de futebol, faculdades, produtores de etanol, exportador­es de cigarro, portos secos etc. O perdão das dívidas das igrejas fora pedido da Frente Parlamenta­r Evangélica, segundo o próprio Newtãozinh­o, relator da medida provisória, mas caiu, com os demais pendurical­hos. Essa indecência voltou nesta semana.

O Senado pode derrubar uma parte da farra. Michel Temer pode vetar partes da MP do Refis, embora esteja com a cabeça a prêmio, promovendo romarias de parlamenta­res a fim de pedir votos de estima pela sua cabeça. Nesta quarta-feira, Henrique Meirelles, ministro da Fazenda, insinuou que o governo deve vetar as mudanças, caso o monstrengo seja aprovado no Senado, ou pode trabalhar para que a medida provisória caduque.

Seja como for, é melhor não deixar que crianças vejam as performanc­es do Congresso.

Performanc­e de deputados deixa cofre do governo pelado e dá dinheiro de criança pobre para igrejas

vinicius.torres@grupofolha.com.br

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