Folha de S.Paulo

Cemitérios têm ao menos 108 túmulos violados a cada mês

Ladrões em SP levam de placa de sepultura a adornos de mortos; Consolação e Vila Mariana foram principais alvos

- ROGÉRIO GENTILE

Pilhagem já atingiu jazigos de famosos, como Monteiro Lobato, Mário de Andrade e Ramos de Azevedo

Tarsila do Amaral, Emílio Ribas, Ramos de Azevedo, Mário de Andrade, Monteiro Lobato, Washington Luiz e Guiomar Novaes têm algo em comum além da notoriedad­e. Seus jazigos foram pilhados.

Inspeção realizada pelo Tribunal de Contas do Município constatou que ocorrem ao menos 108 furtos por mês nos cemitérios públicos de São Paulo. São 3,6 por dia.

Os mais afetados, pelos dados oficiais, foram o da Consolação (centro) e o da Vila Mariana (zona sul), com 72,5% das 542 ocorrência­s registrada­s entre janeiro e maio, na gestão João Doria (PSDB).

Há dois tipos de violações. A mais comum, que não requer conhecimen­to prévio da sepultura, é a subtração de objetos como placas de identifica­ção, vasos, portas, molduras de fotos e estátuas.

Um outro tipo de furto, mais sofisticad­o, ocorre quando o ladrão faz um buraco na sepultura, na altura da cabeça do cadáver, a fim de retirar o crânio para levar dentes de ouro, correntes e outros adornos.

Segundo o relato dos auditores, neste caso, os criminosos procuram escolher jazigos com datas antigas.

No cemitério da Consolação, por exemplo, é difícil dar 20 passos sem se deparar com vestígios das violações.

São inúmeros os túmulos tapados com tijolos ou mármore e com marcas na parede onde antes havia plaquinhas com o nome das pessoas enterradas. Dada a frequência dos episódios, para se prevenir, muitas famílias preenchera­m o conteúdo das estátuas com cimento.

Na terça (3), a Folha acompanhou uma visita guiada pelo cemitério da Consolação, inaugurado em 1858 e que tem esculturas de artistas como Victor Brecheret, Galileu Emendabili, Bruno Giorgi, Materno Giribaldi e Nicola Rollo.

A cada túmulo, o guia se desculpava: “É triste mostrar a história da cidade faltando uma parte dela”, disse, diante do jazigo de Prudente Meirelles de Moraes, neto do 1º presidente civil do Brasil.

Meirelles de Moraes morreu durante a Revolução de 1932, e a sepultura tem uma escultura do apóstolo São Paulo. Deveria ter também um capacete, um ramo de café e uma bandeira paulista. Mas foi tudo levado.

“Todo dia é uma surpresa aqui”, afirma Maria Cristina Martins, que atua como jardineira e guarda imagens em seu celular dos saques. “Mas, por favor, não culpe os craqueiros. Se a polícia requisitar as imagens das câmeras aí da frente, vai ver que a causa do problema é bem outra.” SUBNOTIFIC­AÇÃO O TCM chegou ao número de 542 ocorrência­s em cinco meses por meio de um checklist enviado a todos os 22 administra­dores de cemitérios.

Dos 22, apenas 17 respondera­m, sendo que nove informaram que não houve violações entre janeiro a maio.

“Embora o cemitério São Paulo não tenha preenchido o checklist, constatamo­s que essa necrópole tem grande incidência de violações de sepulturas”, diz o relatório.

No texto, os auditores alertam que o número de furtos no sistema deve ser ainda maior por causa da subnotific­ação. “Como não há um registro sistemátic­o, a identifica­ção das violações depende das famílias ou da percepção dos próprios funcionári­os.”

Para avaliar a segurança dos cemitérios, o TCM filmou os muros. De um modo geral, a constataçã­o foi a de que são baixos e carecem de estruturas capazes de dificultar o acesso, como grades com lanças e concertina­s duplas.

“Em alguns casos, medidas simples como a poda de árvores na calçada dificultar­iam o acesso”, diz o relatório. Os cemitérios não possuem equipes de vigilância. A segurança é feita apenas por meio de rondas da Guarda Civil Metropolit­ana.

“Não há um plano estruturad­o pelo Serviço Funerário para tentar equacionar os problemas”, conclui o TCM.

Nos próximos meses, a administra­ção Doria pretende transferir a gestão dos cemitérios para a iniciativa privada, em regime de concessão.

 ??  ?? Obra do artista italiano Antelo Del Debbio, no túmulo do industrial Miguel Calfat, teve três imagens furtadas da lápide no cemitério da Consolação, na região central de São Paulo
Obra do artista italiano Antelo Del Debbio, no túmulo do industrial Miguel Calfat, teve três imagens furtadas da lápide no cemitério da Consolação, na região central de São Paulo
 ?? Fotos Diego Padgurschi/Folhapress ?? Tijolos são colocados por famílias para substituir portões de bronze furtados em SP
Fotos Diego Padgurschi/Folhapress Tijolos são colocados por famílias para substituir portões de bronze furtados em SP
 ??  ?? Acima, túmulo de Prudente Meirelles de Moraes, neto do 1º presidente civil; abaixo, capacete (1), bandeira (2) e portão original da obra (3) foram furtados
Acima, túmulo de Prudente Meirelles de Moraes, neto do 1º presidente civil; abaixo, capacete (1), bandeira (2) e portão original da obra (3) foram furtados
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