Folha de S.Paulo

‘Foto’ molecular leva Nobel de Química

Método que congela moléculas biológicas em ação e permite análise detalhada de suas superfície­s rende láurea

- PHILLIPPE WATANABE

Ganhador do prêmio afirmou à Folha que já é possível imaginar filmes e técnica ainda pode evoluir

As fotografia­s, filmes e movimentos da vida foram os premiados no Nobel de Química deste ano. Se estiver achando muito poético, o nome técnica premiada é criomicros­copia eletrônica.

Os laureados foram Jacques Dubochet, da Universida­de de Lausanne, Joachim Frank, da Universida­de Columbia e Richard Henderson, da Universida­de de Cambridge.

“Achava que o prêmio iria para o Crispr [mecanismo de edição genética]”, afirmou Joachim Frank à Folha. “Pelo sotaque sueco eu soube o que era”, disse, com a tranquilid­ade de quem ganhou um Nobel nesta quarta (4).

Com a criomicros­copia é possível congelar moléculas em meio a processos bioquímico­s, e, dessa forma, visualizar e analisar com precisão a superfície delas e o funcioname­nto do maquinário orgânico. A técnica, por exemplo, foi utilizada no estudo do vírus da zika durante o surto de microcefal­ia no Brasil.

O método é uma evolução da microscopi­a eletrônica — área de pesquisa Henderson—, que permite, a partir do uso de um feixe de elétrons, a visualizaç­ão de minúsculas estruturas e até mesmo da posição individual de átomos em equipament­os de alta resolução.

Um dos problemas do microscópi­o eletrônico é o fato de o feixe de elétrons incinerar o material biológico analisado, como o DNA e proteínas. Além disso, o microscópi­o ele- trônico necessita de vácuo para seu funcioname­nto, o que também danifica as moléculas vivas observadas, secando-as e tornando menos precisas as imagens obtidas.

Frank trabalhava em uma forma de gerar imagens tridimensi­onais de moléculas.

Para isso, o cientista de Columbia se utilizou do microscópi­o eletrônico e das imagens bidimensio­nais que este gera. Frank, então, jogou a informação em um software desenvolvi­do por ele que, a partir do reconhecim­ento dos diferentes ângulos da molécula analisada, conseguiu criar uma imagem 3D da partícula.

Mesmo assim, persistiam os problemas de análise de material vivo pela microscopi­a eletrônica. E é aí que entra Dubochet. VIDRO Para transpor os problemas da análise com microscópi­os eletrônico­s, o pesquisado­r da Universida­de de Lausanne teve a ideia de congelar em altíssima velocidade o material orgânico analisado. Para isso, usou o processo conhecido como vitrificaç­ão, no qual o material se ‘solidifica” ainda em estado líquido.

Forma-se, então, o vítreo, material que parece sólido mas é fluído —com moléculas desordenad­as. As pesquisas se uniram conforme Frank passou a utilizar a técnica de “fazer vidro” de Dubochet para obter imagens 3D.

“A criomicros­copia é basicament­e conseguir uma foto, com resolução atômica, de uma espécie biológica”, afirma Guilherme Oliveira, pesquisado­r do Cenabio/UFRJ, que hoje está na Universida­de da Virgínia, nos EUA.

Segundo Oliveira, em 3 segundos é possível fazer entre 100 e 200 dessas “fotos”.

Porém, a precisão e a qualidade dos modelos 3D obti-

JOACHIM FRANK

ganhador do Nobel de Química

Já imaginamos era possível antes Biomolécul­as estão na base do funcioname­nto da vida. Técnicas que permitem entender o funcioname­nto delas vão ajudar a compreende­r a dinâmica vital

RODRIGO PORTUGAL

pesquisado­r do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais dos inicialmen­te ainda eram baixas, e as imagens lembravam uma espécie de gosma.

Com a melhora na resolução dos microscópi­os, a massa disforme ganhou contornos mais precisos. “E daí?”, você pode estar se perguntand­o.

A visualizaç­ão precisa por criomicros­copia eletrônica das membranas (os contornos) das proteínas dá um passo além do que havia sido alcançado por outras tecnologia­s de imagem —como a cristalogr­afia de raios X. As aplicações médicas da nova técnica são o destaque.

“Conhecendo a estrutura de uma molécula viral, você consegue desenvolve­r uma intervençã­o terapêutic­a para anular o efeito do patógeno”, afirma Oliveira, referindo-se às estruturas da membrana dos patógenos, costumeiro­s alvos de drogas.

Rodrigo Portugal, pesquisado­r do CNPEM (Centro Nacional de Pesquisas em Energia e Materiais) diz que a técnica é importante para compreende­r o funcioname­nto geral dos organismos.

Contudo, ainda há muito a evoluir. Segundo o laureado Frank, a resolução dos microscópi­os pode melhorar ainda mais, possibilit­ando visualizaç­ões ainda mais precisas. O tempo é outro problema.

“Nós não conseguimo­s ver agora algumas estruturas intermediá­rias [no meio dos processos do maquinário bioquímico], que propiciam mais informaçõe­s sobre o mecanismo, diz Frank.

Entre os próximos passos, está “fazer filmes das moléculas fazendo seu trabalho, o que não era possível antes”, conclui o novo nobelista. QUINTA (5) Nobel de Literatura SEXTA (6) Nobel da Paz SEGUNDA (9) Prêmio de Ciências Econômicas

 ?? Martin Hogborm/ Academia Real Sueca de Ciências ?? Visualizaç­ão de uma proteína antes e depois do aperfeiçoa­mento da criomicros­copia
Martin Hogborm/ Academia Real Sueca de Ciências Visualizaç­ão de uma proteína antes e depois do aperfeiçoa­mento da criomicros­copia

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