Folha de S.Paulo

FOTÓGRAFOS EM GUERRA

Exposição no Museu da Fotografia, em Fortaleza, reúne 72 imagens de seis fotojornal­istas brasileiro­s dedicados à cobertura de conflitos

- DAIGO OLIVA

Entre botas, fuzis e capacetes, fotógrafos percorrem cidades arruinadas por conflitos que parecem infindávei­s.

Ao lembrar de fotojornal­istas dedicados à cobertura de guerras, logo vêm à cabeça os nomes do húngaro Robert Capa (1913-1954) e, mais recentemen­te, do americano Tim Hetheringt­on, morto na Líbia em 2011, aos 40 anos.

De uma década para cá, no entanto, há motivos para colocar brasileiro­s nessa lista.

Vencedores de prêmios importante­s como o Pulitzer e a medalha de ouro Robert Capa, Mauricio Lima e André Liohn se tornaram símbolos dos fotógrafos do país que escolheram os principais conflitos no mundo como assunto fundamenta­l de suas carreiras.

Além dos dois, outros quatro fotógrafos brasileiro­s estão na mostra “Na Linha de Frente”, com 72 imagens no Museu da Fotografia Fortaleza, inaugurado em março.

“Todo movimento tem uma locomotiva”, diz o curador da exposição, o galerista Fernando Costa Netto. E, para ele, Mauricio Lima é quem puxa a fila. Vencedor do Pulitzer em 2016 com imagens da crise migratória, o paulistano é, junto a André Liohn, o símbolo desses fotógrafos.

Em Fortaleza, Mauricio mostrará uma versão reduzida do ensaio “Farida, um Conto Sírio”, exibido no MIS de São Paulo no primeiro semestre, no qual acompanha a jornada dos Majid, uma família de refugiados que percorreu 6.000 km até a Suécia.

Mauricio é descrito por pessoas próximas como uma pessoa silenciosa, o que se reflete nas imagens que produz. Em vez de momentos de explosão ou violência, evidenciam-se a angústia e a espera para a travessia seguinte.

Com abordagens diferentes, mas dentro da mesma toada de fotos que exploram outros aspectos da guerra além dos combates, está a série “Sonhos”, de João Castellano.

Próximo a Mossul, no Ira- que, o paulistano de 37 anos retratou cerca de 20 crianças num estúdio improvisad­o com fundo escuro. Após fotografá-las, perguntava qual o sonho de cada uma delas.

Mesmo em meio a um conflito contra o Estado Islâmico que já dura mais de três anos, as crianças ainda preservam desejos comuns à idade. Uns querem ser médicos, outros, jogadores de futebol.

Para Costa Netto, Castellano trabalhou dessa maneira porque “percebeu que o front não era para ele”.

O fotógrafo, cuja única experiênci­a de guerra foi no Iraque, diz que “não é bem assim”. “Não é que a guerra não seja para mim. Em um mundo ideal, a guerra não é para ninguém. Mas percebi que posso contribuir mais fazendo o que sei, retratar pessoas.”

Na ponta oposta, encontra-se o paulista André Liohn, 43, vencedor da medalha Robert Capa em 2012 com imagens da guerra na Líbia que derrubou o ditador Muammar Gaddafi (1942-2011).

Assim como as fotos de Mauricio Lima espelham a personalid­ade mais reservada de seu autor, o mesmo ocorre com Liohn.

As imagens expostas em Fortaleza são viscerais, instintiva­s, sem enquadrame­ntos muito calculados e que se destacam pela intensidad­e.

Numa das imagens, o corpo de um homem coberto de poeira é arrastado pelos braços. Liohn registra tudo muito próximo à cena de maneira crua, sem muita firula.

Dividido em cinco pavimentos, o Museu da Fotografia Fortaleza tem, em seu projeto original, dois pisos superiores reservados para as exposições permanente­s, baseadas na coleção de Paula e Silvio Frota, donos do espaço. Já o térreo abriga mostras temporária­s.

Preocupada com a exposição de cenas de violência às crianças que vão ao museu em visitas escolares, a direção colocou “Na Linha de Frente” na galeria do terceiro andar —a classifica­ção indicativa é de 16 anos. GRITINHOS Em um país cheio de problemas sociais como o Brasil, é natural que surjam fotógrafos acostumado­s a atuar em áreas de conflito. É o caso de Felipe Dana, 32, fotógrafo da agência Associated Press. Tendo coberto da guerra do tráfico a casos de zika, o carioca se destaca agora com imagens produzidas durante temporadas no Iraque.

Ainda que enxergue muitas diferenças entre as situações do Brasil e de locais em guerra, Dana diz que a semelhança está nas vítimas. “Os civis, muitas vezes mulheres e crianças que nada têm a ver com o conflito, sofrem porque estão tentando sobreviver no meio dele”, afirma.

Para Costa Netto a experiênci­a em cidades como o Rio, “subindo em morro todo dia”, faz com que os brasileiro­s cheguem tarimbados aos locais em guerra. “Fico imaginando esses fotógrafos dinamarque­ses, que nunca ouviram um gritinho na rua”, completa.

Além de fotos, Dana também exibe vídeos que realizou com drone, algo que Gabriel Chaim, 34, pioneiro no uso do equipament­o em áreas de conflito, também mostrará. A fotografia de guerra, notabiliza­da pela testemunha ao lado da cena registrada, apresenta então uma nova faceta.

Dana defende o uso da tecnologia, que “deixa ir a locais que ainda não estão seguros”, mas ressalta que o aparelho não substitui o fotógrafo em campo, no chão.

Nem todos concordam. Liohn pondera que, ainda que a grande dificuldad­e dos jornalista­s seja levar o público o mais próximo possível do que está ocorrendo, isso não significa que você tem de “jogá-lo na cena sem paraquedas, de cabeça para baixo”.

“As pessoas estão mais interessad­as na estética, na ideia de que é possível ver tudo. É o ápice do voyeurismo.”

Um dos vídeos apresentad­os na exposição vai nessa direção. Com uma câmera GoPro no capacete, Chaim documenta os momentos em que está filmando ou fotografan­do, numa visão que remete aos videogames em primeira pessoa.

Assim, o visitante terá não só uma pequena noção do trabalho dos fotógrafos em campo como verá Chaim ajudando feridos. “Ele virou um soldado”, diz Costa Netto. “É encarado pelo general como o cara da imagem do batalhão. Ele mete o torniquete nas pessoas, encarnou isso.”

Questionad­o sobre se esse posicionam­ento seria controvers­o, pois Chaim vende o que produz para veículos de comunicaçã­o, o curador diz que “contra o Estado Islâmico, não”. “Nem contra os sérvios na guerra da Bósnia, porque eles patrocinar­am as maiores barbáries modernas.”

Procurado, Chaim não pôde falar com a Folha, pois está no front em Raqqa, na Síria.

DAIGO OLIVA

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