Folha de S.Paulo

FOTÓGRAFOS EM GUERRA

Curador convidou para exposição fotógrafo que depois se revelaria falso, o que gerou desgaste com um dos participan­tes da mostra

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Tomar um lado do conflito não é a posição defendida por Yan Boechat, 42, jornalista que passou a fotografar profission­almente ao viajar para áreas complexas sem a companhia de um fotógrafo.

“Precisamos registrar os fatos com a mesma isenção, ou ao menos a tentativa de se manter isento, independen­temente dos lados”, afirma ele.

“Mesmo com o Estado islâmico, é importante entender as pessoas que aceitam abdicar da própria vida em favor de uma ideia tão radical.”

Colaborado­r da Folha, Boechat avalia, no entanto, que é comum se sentir usado como arma de propaganda pelas forças que estão permitindo a participaç­ão dos fotógrafos no campo de batalha.

No caso de Mossul, lembra ele, apenas um lado é registrado, porque o Estado Islâmico não permite a entrada de jornalista­s nas áreas controlada­s pela milícia terrorista.

Estar incorporad­o a um dos lados do conflito significa seguir as regras de quem permitiu a presença no local.

Ele conta que, quando esteve com as tropas iraquianas, era proibido registrar solda- amplificad­a pelo conto de que ele teria vencido um câncer antes de decidir fazer trabalhos humanitári­os, o que lhe rendeu perfis em veículos de comunicaçã­o.

O truque enganou muita gente, inclusive o curador, que o convidou para participar da mostra em Fortaleza.

Costa Netto diz que nunca “passou pela cabeça que aquilo fosse mentira”, mas desconfiav­a dos arquivos enviados em baixa qualidade e da falta de linguagem comum para trabalhos feitos no Iraque, em Gaza e na África.

Antes mesmo de o embuste ser desmascara­do, porém, o convite gerou uma briga entre o curador e André Liohn.

Para o fotógrafo, além de o conjunto de imagens não fazer sentido, todas as reportagen­s que envolviam Eduardo Martins eram sobre a história de vida pela qual o enganador teria passado. “A motivação era autopromoç­ão, e não jornalismo”, diz Liohn.

Ao ter certeza de que Eduardo Martins não estaria na exposição, o paulista aceitou participar da mostra. Publicou, porém, texto no Facebook em que ataca Costa Netto.

“Ao dizer que não tenho capacidade para fazer a curadoria, Liohn ofende o museu, que me escalou para o evento”, diz o curador. O fotógrafo, por sua vez, diz que faltou a Costa Netto tratar fotojornal­ismo com critérios jornalísti­cos, e “não com base na história de vida do farsante”.

“Ótimo, teria ficado feliz se ele tivesse vencido um câncer. Mas não é por isso eu que vou dar credibilid­ade a ele”, conclui Liohn. (DO)

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Mauricio Lima Foto de Mauricio Lima mostra pilha de coletes salva-vidas em Lesbos, na Grécia

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