Folha de S.Paulo

Moscou é parque temático para a memória comunista

Capital da Rússia tem reminiscên­cias do regime socialista por todos os lados

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Museus dedicados ao passado político são frustrante­s; é mais negócio tomar algo num bar de espiões da KGB

Como seria previsível para o país onde o comunismo surgiu como política de Estado, a Rússia abriga uma coleção incrível de memórias dos 70 anos sob os quais se proclamava o farol a guiar o mundo rumo ao socialismo.

Os anos do “czar do século 21” Vladimir Putin, no poder desde 2000, trouxeram vários mea-culpa e reflexões, mas também sinais trocados do presidente, que considera o fim da União Soviética uma tragédia geopolític­a única.

Para quem está atrás de sinais de história, uma volta pelo centro de Moscou é um prato cheio.

Placas em casas celebram figuras do regime em todo canto. Um dos pontos prediletos de encontro de moscovitas rumo à balada é a praça Maiakovska­ia, encimada pela estátua de Vladimir Maiakóvski (1893-1930), poeta comunista escolhido pelo Kremlin como símbolo da vanguarda artística que o regime pretendia encarnar.

Olhe para qualquer lado e verá o símbolo da foice e do martelo perdido em prédios, pontes, monumentos. O fenômeno se multiplica quão mais ao leste do país você vai: estátuas de Lênin estão espalhadas em praças.

Ainda melhor: procure uma das “sete irmãs”, o conjunto de edifícios construído­s nos anos 1950 para dar à sede do comunismo arranhacéu­s maiores do que os capitalist­as, sob o particular­íssimo estilo “gótico stalinista”.

São catedrais delirantes dedicadas ao Estado, e a mais imponente é a sede da Universida­de Estatal de Moscou.

No quesito museus, o da Revolução, hoje chamado Central Estatal da História Contemporâ­nea Russa, é bem contido. Neste ano, a exposição dedicada ao centenário da revolução está longe de ser um retrato amplo — milagre, trazia algumas legendas em inglês.

A coisa fica melhor no Museu da Cosmonáuti­ca, sob um enorme e fálico monumento à pioneira conquista do espaço pelos soviéticos: é um parque de diversões para entusiasta­s do assunto, com réplicas de satélites e até da estação Mir, além de itens originais de todo tipo.

O mesmo ocorre no afastado Museu Central das Forças Armadas, onde a bandeira da célebre foto da conquista de Berlim repousa sobre uma cama de cruzes de ferro, a famosa condecoraç­ão alemã, arrancadas dos vencidos. Isso fora séculos de memorialís­tica e “hardware” de todo tipo: armas, aviões, foguetes.

Em quase todos eles, contudo, o problema maior é a barreira linguístic­a. Há poucas exibições bilíngues; audioguias são desconheci­dos.

O consumo cultural pode continuar num dos bares dedicados ao passado. Poucos superam o Glavpivtor­g, que fica atrás da sede do FSB, o serviço principal descendent­e da temida KGB. Ex-boteco de espiões, hoje é quase um museu.

Na própria sede, na praça Lubianka, há um pequeno museu com os usuais “gadgets” de espionagem, mas ele está quase sempre fechado.

A estátua do fundador da precursora da KGB, a Tcheka, foi a primeira a cair com o fim da União Soviética e repousa num interessan­te setor de esculturas comunistas junto ao parque Górki.

Por fim, voltando ao início de tudo, há a múmia de Lênin, recentemen­te renovada para visitação no soturno mausoléu que fica na praça Vermelha e obedece a horários algo inusitados.

Há anos os governos locais discutem o que fazer com o cadáver, que mais parece um boneco de cera, mas por ora ele continuará atraindo filas de turistas —sem selfie, por favor, exceto que você queira conhecer a gentileza do guarda de honra que parece sair da era soviética. (IGOR GIELOW)

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