Folha de S.Paulo

Copo pela metade

Com alguns avanços, reforma política aprovada em cima da hora impõe aos contribuin­tes um custo extra para bancar as campanhas eleitorais

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Para aperfeiçoa­mentos pontuais, um sensível retrocesso. Assim se pode resumir o resultado da reforma política, após as derradeira­s votações na Câmara dos Deputados e no Senado.

No capítulo dos avanços, registrem-se duas medidas destinadas a diminuir a influência de partidos sem representa­tividade.

A primeira institui gradualmen­te uma cláusula de desempenho (ou de barreira), estipuland­o uma porcentage­m mínima de votos válidos nas eleições para deputados federais, distribuíd­os em pelo menos um terço dos Estados, para que uma agremiação política desfrute de plenas prerrogati­vas legais.

Há hoje inconcebív­eis 35 legendas registrada­s, 25 delas com representa­ntes na Câmara.

A segunda extingue, a partir de 2020, em eleições para deputados e vereadores, as coligações partidária­s —mecanismo que assegura a legendas minúsculas a possibilid­ade de ver eleitos seus candidatos, além de promover a constituiç­ão de alianças sem nenhuma coerência ideológica ou programáti­ca.

Num lance surpreende­nte, o Congresso aprovou o fim da propaganda partidária nas redes de rádio e televisão —aquela conhecida e irritante rotina estendida ao longo do ano, que não se confunde com o horário reservado aos candidatos em períodos eleitorais.

Abortou-se, felizmente, a ideia de liberar o telemarket­ing eleitoral, que deixaria o eleitor brasileiro exposto a telefonema­s políticos das 9 às 20h, de segunda a sábado.

Entretanto o principal objetivo de toda a reforma —com o qual concordara­m as lideranças de partidos tão díspares quanto o DEM, o PC do B, o PMDB e o PT— foi impor aos contribuin­tes uma conta de cerca de R$ 2 bilhões para que os políticos brasileiro­s financiem suas campanhas; estas já contavam com algo em torno de R$ 1 bilhão do Fundo Partidário.

Essa investida contra os cofres públicos é a consequênc­ia, plenamente evitável, da proibição a que empresas contribuam com candidatur­as e partidos. Se associado a regras de transparên­cia e a limites rígidos de gastos, o financiame­nto privado, e ademais voluntário, não teria por que ser extinto.

Anuncia-se, entretanto, um máximo de gastos permitidos a cada candidatur­a, o que é positivo. No pleito presidenci­al, promete-se teto de R$ 70 milhões no primeiro turno; nas últimas eleições, a chapa vitoriosa gastou R$ 384 milhões, só consideran­do dados oficiais.

De mais esdrúxulo, uma emenda obriga sites a retirar temporaria­mente conteúdos políticos da internet a partir de mera denúncia de usuário, sem necessidad­e de ordem judicial. Não parece crível que tal disparate possa prosperar.

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