Folha de S.Paulo

Está certo. O que fazer quanto a isso? Então, eu não sei.

- SALVADOR NOGUEIRA

COLABORAÇíO PARA A FOLHA

Pode levar séculos, mas as religiões vão cair em desuso. A predição é de Michael Shermer, historiado­r da ciência e escritor americano que fundou a Sociedade dos Céticos nos EUA.

“Em países europeus, onde há bons sistemas de proteção social, eles não precisam de religião. Essa é uma das razões por que os percentuai­s de religiosos são bem mais baixos lá do que em países americanos, incluindo a América do Sul”, diz Shermer.

O escritor esteve em São Paulo para participar do 1º Seminário Internacio­nal Scientific American Ciência e Sociedade e conversou com a Folha sobre os desafios de disseminaç­ão da cultura científica no momento atual, permeado por “fake news” e ataques à ciência.

Otimista, Shermer acredita que o momento atual seja um caso típico de “três passos à frente, dois atrás”, mas se preocupa com o fenômeno das “bolhas” de isolamento criadas pelas redes sociais.

“Somos xenofóbico­s e você pode classifica­r pessoas em qualquer categoria que quiser, não apenas cor da pele ou gênero, mas partido político, ideologia, crenças religiosas.”

E como se elevar acima da cacofonia da internet e vencer a noção errônea de que a ciência é apenas uma “narrativa”, uma “versão” dos fatos? Para ele, o segredo está na educação infantil.

“Precisamos ensinar às crianças que há um mundo real e que podemos saber algo a respeito dele, e a ciência é a melhor ferramenta que temos, e ensinar aos estudantes não só os fatos da ciência, mas como os cientistas pensam sobre as coisas.” Folha – Como o sr. vê o cenário da divulgação científica? Há dificuldad­es ou é uma impressão criada pelas redes sociais?

Michael Shermer - As duas coisas. Quer dizer, há mais ataques à ciência e à verdade, há mais “fake news”, fatos alternativ­os, clickbait [caça cliques], todo esse lixo na in- ternet, mas, por outro lado, nós todos podemos ter nossas páginas web, nossos próprios canais no YouTube, podemos fazer nossos filmes, programas de TV, blogs, podcasts e assim por diante. Então é como as publicaçõe­s de papel, que cortam para os dois lados. Ela imprime Shakespear­e e imprime “Mein Kampf” [autobiogra­fia de Hitler]. Tudo que podemos fazer é seguir adiante e bolar ferramenta­s melhores de comunicaçã­o.

Outro problema é o fato de as empresas de redes sociais, como o Facebook, terem algoritmos que o alimentam com notícias baseadas no que você já está buscando, então sua bolha vai ficando cada vez pior, mesmo que você não se esforce para isso. Você tem de ativamente procurar e ler pontos Não seria uma forma limitada de contornar? A maioria das pessoas não ficaria irritada? Isso o preocupa?

Sabemos por estudos de cientistas políticos que os partidos estão ficando mais extremados, estão se afastando do centro. Quer dizer, os eleitores indecisos, aquele grupo do centro está ficando menor, enquanto esquerda e direita estão ficando maiores e se afastando. E isso, em parte, é alimentado pela bolha.

Isso me preocupa, porque a mente humana é projetada para fazer isso. Somos muito xenofóbico­s e você pode dividir, classifica­r pessoas em qualquer categoria que quiser, não apenas cor da pele ou gênero, mas partido político, ideologia, crenças religiosas. Parece que a maioria das pessoas vê a ciência como uma narrativa, mais uma versão, e não algo que você teste e deixe a natureza arbitrar. que há um mundo real e que podemos saber algo a respeito dele, e a ciência é a melhor ferramenta que temos, e ensinar aos estudantes não só os fatos da ciência, mas como cientistas pensam sobre as coisas. Que não há certezas. Há hipóteses provisória­s que testamos e progredimo­s e temos modelos cada vez melhores de como o mundo funciona, mas é um processo contínuo.

É mais como um modo de pensar sobre o mundo e abordar questões. É disso que se trata o pensamento crítico. Nós ensinamos como pensar, não ensinamos o que pensar. Mudando de assunto para a ameaça nuclear, ainda não nos livramos dela, como podemos ver no noticiário. Mas também há o argumento de que a Coreia do Norte é um perigo crescente.

Sim, talvez sim, porque Kim Jong-un desenvolve­u mísseis. Pode ser que os queira para defesa. Para que seria?

Ele realmente os usaria? Duvido. Ele não é um doido religioso. Eu ficaria mais preocupado se o Estado Islâmico pegasse uma arma nuclear, porque esses caras, eles querem morrer, eles acham que vão para o céu, eles realmente acreditam nesse papo de doido. O sr. acha que a religião ainda tem uma função na sociedade? Claro, no passado foi importante para criar coesão social, mas atualmente...

Em países europeus, onde há bons sistemas de proteção social e tudo mais, eles não precisam de religião. Essa é uma das razões por que os percentuai­s de religiosos são bem mais baixos lá do que em países americanos, incluindo a América do Sul.

Visito catedrais na Europa e elas estão vazias ou fechadas. Eles as alugam para festas ou as usam como museus de arte —o que é ótimo, porque são construçõe­s bonitas. É um sinal de que a religião está declinando, porque não precisamos dela para explicar o mundo. A ciência faz isso.

Você não precisa dela para cuidar dos pobres, o governo e instituiçõ­es de caridade estão fazendo isso. Prevejo que não vá acontecer logo, mas em séculos acho que a religião vai cair em desuso.

Precisamos ensinar às crianças que há um mundo real e que podemos saber algo a respeito dele, e a ciência é a melhor ferramenta que temos, e ensinar aos estudantes não só fatos da ciência, mas como cientistas pensam

E isso é uma coisa boa?

É uma coisa boa. É, porque ela é repleta de bagagem, isso não é bom para a sociedade. A crença no sobrenatur­al e a na vida após a morte não é boa. Eu não acho, quer dizer, eu entendo por que pode confortar, quando há um ente querido morrendo e há a promessa de uma vida após a morte. Entendo isso. Mas a ideia de bancar um pós-vida pode levar você a perder o aqui e o agora.

Agora é a hora de tentar fazer o mundo melhor.

Nós ensinamos como pensar, não ensinamos o que pensar

Visito catedrais na Europa e elas estão vazias ou fechadas. Eles as alugam para festas ou as usam como museus de arte —o que é ótimo, porque são construçõe­s bonitas. É um sinal de que a religião está declinando, porque não precisamos dela para explicar o mundo. A ciência faz isso

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil