Folha de S.Paulo

Catalunha em xeque

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O plebiscito de independên­cia da Catalunha já se desenhava um ato temerário ante os alertas do governo da Espanha de que atuaria para impedir a consulta, por inconstitu­cional. Sua realização, no domingo (1º), foi marcada por previsível choque entre apoiadores da causa separatist­a e forças de segurança, com centenas de feridos.

Afora a lamentável violência, o fato de 90% dos 2,2 milhões de votantes (apenas 42% do eleitorado local, ressalte-se) terem apoiado a separação empurrou os catalães para um cenário de incerteza.

O Parlamento regional anunciou que se reunirá nesta terça (10), quando há a expectativ­a de que o líder do governo da Catalunha e principal artífice do plebiscito, Carles Puigdemont, possa declarar a soberania da região, hoje sob o status de comunidade autônoma.

Se isso ocorrer, será mais um descumprim­ento de uma sentença do Tribunal Constituci­onal espanhol, que determinar­a a suspensão da sessão.

A intransigê­ncia pode impelir o premiê Mariano Rajoy a tomar uma atitude mais drástica. Uma hipótese, que seria inédita na história do país, é recorrer a um artigo da Constituiç­ão que permite “medidas necessária­s” contra uma comunidade que contrarie gravemente o interesse geral da Espanha.

Embora a Carta não especifiqu­e, juristas entendem que plebiscito­s separatist­as se enquadram nesse caso. Em alternativ­a extrema e improvável, Rajoy poderia requerer o aval do Legislativ­o para dissolver o governo catalão e convocar novas eleições locais.

A pressão sobre os independen­tistas também se reflete na economia. Dois dos maiores bancos espanhóis, o Sabadell e o CaixaBank, decidiram mudar seu domicílio fiscal para fora da Catalunha —um sinal do temor do mercado de que a região deixe de integrar a União Europeia.

Ocioso dizer que o comportame­nto do líder catalão contribuiu decisivame­nte para tamanho potencial de conflito. Entretanto Rajoy tem sido, no mínimo, pouco hábil na condução do tema.

Em 2014, quando a Catalunha fez uma consulta informal sobre seu futuro político, o premiê recusou-se a oferecer um plano de diálogo, após considerar o projeto nacionalis­ta “fracassado”.

Quando ainda era líder da oposição, em 2006, recorreu à Justiça contra artigos do estatuto autônomo catalão, aprovado pela população local em referendo após negociação com o governo do premiê José Luis Zapatero.

Está patente que uma separação forçosa não interessa a nenhuma das partes. Espera-se, assim, que Puigdemont ceda ao bom senso e que Rajoy aceite seu possível recuo, dispondo-se a dialogar.

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