Folha de S.Paulo

Tudo como dantes

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Há um trecho incômodo na entrevista concedida à “Época” desta semana (2/10) pelo ex-deputado Eduardo Cunha desde a prisão. No que se refere à Câmara, é difícil discordar quando diz: “A próxima eleição, com exceção do financiame­nto empresaria­l, será igual, com resultados iguais”.

Se olharmos o pacote preparado pelo Legislativ­o nos últimos dias para reger o pleito de 2018, tenderemos a concordar com a previsão. As duas mudanças no sistema eleitoral —fim da coligação nas eleições proporcion­ais e cláusula de barreira— só terão consequênc­ias mais nítidas se não forem outra vez alteradas, a partir de 2020. Embora a contagem de votos para estabelece­r quem ficará aquém da barreira comece em 2018, os efeitos serão posteriore­s.

Embora essas duas medidas futuras sejam em geral positivas, pois permitem maior transparên­cia e menor fragmentaç­ão —no segundo caso, trazendo possíveis dificuldad­es, a serem analisadas, para os partidos ideológico­s— verdadeira­mente efetivas para o ano que vem, o Congresso criou o Fundo Especial de Financiame­nto de Campanha. Embora tenha ficado menor do que o inicialmen­te projetado, o montante de R$ 2 bilhões visa a cobrir o buraco criado com a proibição, pelo STF, de doações por parte das empresas.

Sou favorável ao financiame­nto público, desde que se estabeleça um teto de gastos baixo. Isto é, se a legislação obrigar a um radical barateamen­to das campanhas, cada vez mais possível com os recursos tecnológic­os disponívei­s. No entanto, em lugar de democratiz­ar as disputas, os legislador­es optaram apenas por substituir as empresas pelo Estado.

Tome-se o caso da eleição para deputado federal: o limite de custos aprovado ficou na altíssima cifra de R$ 2,5 milhões. De acordo com o jornalista José Roberto Toledo, na média, os 513 eleitos em 2014 declararam uma arrecadaçã­o de R$ 1,4 milhão. Entende-se, assim, que o valor definido visa permitir, pelo menos, a mesma amplitude.

Em outras palavras, manter tudo como está. Como o critério para a distribuiç­ão da verba pública seguirá a representa­tividade passada dos partidos, o que explica os maiores terem se inclinado por esse critério, aqueles que em 2014 tiveram maior apoio empresaria­l vão receber mais recursos estatais em 2018. Além disso, como talvez não haja limite para o autofinanc­iamento, os candidatos ricos poderão ter ampla chance de complement­ar a propaganda com reais próprios, a exemplo do que fez João Doria.

Na Câmara escolhida em 2014, segundo o Departamen­to Intersindi­cal de Acompanham­ento Parlamenta­r (Diap), havia cerca de quatro empresário­s para cada sindicalis­ta. Independen­temente das respectiva­s posições, que variam, com as normas aprovadas o escore tenderá a se repetir.

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