Folha de S.Paulo

Premiação é marco na luta pelo desarmamen­to atômico

- MAURO VIEIRA

FOLHA

A concessão, nesta sextafeira (6), do Prêmio Nobel da Paz de 2017 à Campanha Internacio­nal para a Abolição das Armas Nucleares (Ican, na sigla em inglês) constitui novo marco na luta pelo desarmamen­to nuclear.

A atuação da Ican foi fundamenta­l para a adoção, em julho deste ano, do Tratado sobre a Proibição das Armas Nucleares, que o Brasil teve a honra de ser o primeiro país a assinar em 20 de setembro.

A campanha realizou importante trabalho de conscienti­zação a respeito das catastrófi­cas consequênc­ias humanitári­as dessas armas.

Essas consequênc­ias preocupara­m a ONU desde seus primórdios, tendo sido mencionada­s na primeira resolução adotada pela Assembleia­Geral, em 1946, mas, nas últimas décadas, vinham sendo ignoradas em detrimento de consideraç­ões de cunho exclusivam­ente estratégic­o.

Por meio de três conferênci­as internacio­nais realizadas em 2013 e 2014 (na Noruega, no México e na Áustria), a Ican ajudou a redirecion­ar a atenção internacio­nal para os aspectos humanitári­os do uso de armas nucleares e a aprofundar o conhecimen­to a respeito de suas consequênc­ias para a vida e a saúde humanas, para o meio ambiente e o desenvolvi­mento.

Essa consciênci­a renovada estava em descompass­o com a estagnação dos esforços para o desarmamen­to nuclear.

Os Estados que são detentores de armas nucleares continuam gastando trilhões de dólares na modernizaç­ão de seus arsenais.

Até a adoção do tratado, essas armas seguiam sendo o único armamento de destruição em massa a não ser proibido por um documento desse tipo: as armas biológicas foram proibidas em 1972; e as químicas, em 1993.

O compromiss­o do Brasil com a negociação do tratado reflete o sólido histórico brasileiro na área de desarmamen­to nuclear.

O Brasil mantém compromiss­o constituci­onal de uso da energia nuclear apenas para fins pacíficos e foi um dos proponente­s do Tratado de Tlatelolco, que completou 50 anos em fevereiro e estabelece­u a América Latina e o Caribe como a primeira zona livre de armas nucleares em uma região densamente povoada do mundo.

O Prêmio Nobel da Paz é um justo reconhecim­ento do esforço fundamenta­l que a Ican, presente em mais de cem países do mundo (inclusive o Brasil), empreendeu para a adoção do tratado.

O atual momento de escalada de tensões na Península Coreana, que passa a representa­r ameaça a toda a humanidade justamente pelo risco de uso de armamento nuclear, apenas reforça a sua necessidad­e.

Espero que a visibilida­de conferida pelo prêmio impulsione as assinatura­s e ratificaçõ­es do tratado para sua pronta entrada em vigor e dê novo ímpeto aos esforços de desarmamen­to dos Estados detentores dessas armas.

Nenhuma paz poderá ser duradoura e real enquanto as armas mais destruidor­as já concebidas pela humanidade não forem completame­nte eliminadas. MAURO VIEIRA

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil