Folha de S.Paulo

Puigdemont entrou no curso de filologia catalã, que mais tarde abandonou para se dedicar ao trabalho.

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DE MADRI

O presidente catalão, Carles Puigdemont, que pode ser detido nos próximos dias por desafiar a unidade da Espanha, teve um começo modesto: nasceu em 1962 em Amer, de 2.200 habitantes.

Filho de padeiros dessa comunidade rural próxima à fronteira com a França, Puigdemont não pertence à elite catalã que nos últimos anos liderou o processo separatist­a —o apelidado “procés”.

Com o cabelo cortado em um estilo Beatles e uma cicatriz em cima do lábio, resultado de um acidente de carro, ele não se parece com os demais políticos locais.

Adora as redes sociais, quis ser astronauta na infância, toca guitarra e fala inglês, francês e romeno. Essa última é a língua de sua mulher, a jornalista Marcela Topor, mãe de seus dois filhos.

Vir das margens favoreceu esse jornalista de 54 anos e certamente ajuda a explicar a sua popularida­de. O histórico líder catalão Jordi Pujol foi acusado de corrupção, e o ex-presidente catalão Artur Mas —antecessor de Puigdemont— é criticado por ter promovido cortes nos gastos sociais.

Já Puigdemont é visto pela população como um “outsider” em relação a classe política ineficaz que, apesar das promessas, não entregou a independên­cia da Catalunha.

Puigdemont cresceu durante a ditadura de Francisco Franco (1939-1975), quando o nacionalis­mo catalão era reprimido, e sua língua, proibida no espaço público. Ele estudou castelhano em uma escola religiosa espanhola, mas falava catalão em casa.

Quando foi à universida­de, já na Espanha democrátic­a, FERVOR O interesse pelo catalão, aparentado ao francês, animou dentro dele um separatism­o militante, mais extremo do que o de seu próprio partido, o PDeCAT (Partido Democrata Europeu Catalão).

Amigos de infância dizem que o fervor pela independên­cia não lhe é recente, nem é uma reação ao centralism­o do governo de Madri.

Ele já ia às ruas nos anos 1980, quando o separatism­o era marginal na Catalunha.

Começou a trabalhar em 1981 no jornal pró-independên­cia “El Punt Avui”, do qual chegou a ser redatorche­fe. Em 1994, lançou um livro sobre a visão da imprensa estrangeir­a acerca da Catalunha. Cinco anos mais tarde, Puigdemont criaria a ACN, uma agência de notícias catalã comissiona­da pelo governo regional.

Mas ele abandonou o jornalismo em 2006 ao ser eleito deputado no Parlamento catalão pelo partido Convergènc­ia i Unió. De 2011 a 2016, Puigdemont foi prefeito de Girona, cidade próxima a sua Amer natal.

A liderança da Catalunha lhe chegou de surpresa, ao ser convidado em janeiro de 2016 para comandar uma coalizão de siglas separatist­as.

Ele era à época um desconheci­do nos altos escalões da política catalã e foi nomeado para solucionar um impasse entre as siglas governista­s. SONHO Não tardou para que Puigdemont se firmasse no governo regional. Já em meados de 2016, apareceu num vídeo caseiro tocando “Let It Be”, dos Beatles, em um violão — com o chefe da polícia autônoma catalã, Josep Lluís Trapero, acusado por Madri de sublevação ao não impedir o plebiscito separatist­a.

Presidindo a região catalã, que já goza de certa autonomia na Espanha, Puigdemont acelerou o processo independen­tista a uma velocidade nauseante.

Se a separação parecia um alvo distante durante o mandato de Artur Mas, de repente tornara-se iminente, quase palpável.

Seu governo não foi marcado pelas concessões de seus antecessor­es, nem pelo receio de ir à cadeia por desafiar o Estado espanhol.

Na noite do plebiscito separatist­a, em 1º de outubro, após 90% dos eleitores terem votado no “sim”, Puigdemont disse à multidão em Barcelona: “Isso que há algum tempo era apenas um sonho já temos ao alcance”. (DIOGO BERCITO)

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Lluis Gene/AFP O presidente catalão, Carles Puigdemont, na sede do governo regional, em Barcelona

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