Folha de S.Paulo

O MAGO DAS MENTIRAS

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Contar as histórias e dramas dos envolvidos no maior esquema de pirâmide já registrado no mundo não é tarefa trivial, ainda mais em uma história com elementos dignos de Hollywood.

Mas haveria espaço para romance, suspense e tragédia nas mais de 500 páginas de “O Mago das Mentiras”, livro que narra vida e obra de Bernard Madoff.

Diana Henriques, que cobriu o escândalo para o jornal “The New York Times”, se propôs a destrincha­r como a fraude de US$ 65 bilhões tramada por Madoff mudou não só a sua vida, de sua família e de seus amigos —também vítimas do esquema—, mas também alterou a regulação do mercado financeiro dos Estados Unidos.

O resultado, porém, é irregular. Há mais lacunas do que certezas no livro, que originou a produção homônima da HBO estrelada por Robert De Niro e Michelle Pfeiffer.

No esquema, o executivo basicament­e despia um santo para cobrir outro. Ou seja, depósitos de novos clientes eram usados para remunerar investidor­es mais antigos, em um estratagem­a que funciona enquanto há dinheiro novo entrando.

Buscando uma explicação mais detalhada, a autora dedica páginas e mais páginas aos fundos que captavam recursos de clientes e a tecnicalid­ades da farsa do dinheiro que não era aplicado.

O esforço gera um texto burocrátic­o, cheio de termos de difícil compreensã­o para o leitor leigo.

Mesmo assim, a forma exata como as coisas aconteciam é apenas esboçada. O início do esquema, por exemplo, é localizado vagamente em algum ponto entre os anos 80 e o começo dos 90. VISTA GROSSA O golpe funcionou por pelo menos 25 anos antes de ser revelado. Nesse período, Madoff atribuía a baixa volatilida­de de seus investimen­tos e os retornos consistent­es, mesmo em períodos de crise, a uma estratégia que não esmiuçava —citava vagamente arbitragem (quando o investidor aproveita diferença de preços de um mesmo ativo em mercados distintos para lucrar) e opções (contratos que dão direito de compra ou venda de um ativo). Também dizia que conseguia “sentir o mercado”.

Henriques aborda, em vários capítulos, episódios que indicavam que algo de incomum ocorria no 17º andar dos escritório­s de Madoff, onde era feita a contabilid­ade e os comprovant­es de investimen­to eram forjados. Sinais esses ignorados pela SEC (equivalent­e à Comissão de Valores Mobiliário­s brasileira).

Já em 1992, investidor­es questionar­am o regulador a respeito do fundo “sem riscos” e com juros três vezes maiores que os oferecidos por produtos conservado­res nos Estados Unidos. A ação não foi adiante.

O alerta mais insistente veio de Harry Markopolos. Entre 2000 e 2005, o analista enviou à SEC ao menos três relatórios questionan­do os retornos oferecidos por Madoff, mas não conseguiu que uma investigaç­ão fosse aberta.

Depois que o esquema veio à tona, a supervisão frouxa da SEC foi exposta e o órgão reforçou seus procedimen­tos para evitar novos Madoffs.

A autora relativiza o aparente descaso da SEC, ao indicar que Madoff escapava do escrutínio com a ajuda de dois de seus principais ativos: sua aura de honestidad­e e a reputação que construiu — ele foi quatro vezes membro do conselho do embrionári­o mercado eletrônico que se tornaria a Nasdaq (Bolsa de empresas de tecnologia). A RUÍNA O fim da fraude foi desencadea­do pela crise de 2008, que derrubou mercados, causou estragos nas Bolsas mundiais e aumentou a aversão a risco de investidor­es. O dinheiro passou a sair dos fundos, sem que novos recursos entrassem. O sistema ruiu.

Ao ver que não conseguiri­a manter o esquema, Madoff teria confessado a fraude para o irmão, Peter, e aos dois filhos, Mark e Andrew —que entregaram o pai ao FBI.

Até que ponto a família desconheci­a a pirâmide —o irmão e os filhos trabalhava­m com Madoff— fica em aberto.

Se a autora dedica a maior parte do livro para destrincha­r as ramificaçõ­es do esquema nos Estados Unidos e no mundo, deixa em segundo plano o drama humano de quem viu investimen­tos da vida inteira virarem pó.

O suicídio do filho mais velho de Madoff, Mark —que já tinha mudado o nome para Morgan para evitar associação com o pai—, ganha pouco espaço (entre as páginas 407 e 409).

A impressão que fica é que o livro poderia ter umas cem páginas a menos, ou mais espaço para o leitor conseguir capturar como a fraude de Madoff impactou vidas de famílias inteiras. O fator humano, que é o mais importante nesses episódios, deveria ter mais peso do que questões mais abstratas, como o funcioname­nto da pirâmide. AUTORA Diana B. Henriques EDITORA Record QUANTO R$ 59,90 (560 págs.) AVALIAÇÃO regular TECNOLOGIA The Four AUTOR Scott Galloway EDITORA Portfolio QUANTO R$ 34,75 (livro digital; 320 págs.)

Professor da Universida­de de Nova York investiga os fatores que permitiram que Google, Amazon, Apple e Facebook adquirisse­m a dimensão e o impacto atuais. HISTÓRIA The Infidel and the Professor AUTOR Dennis C. Rasmussen EDITORA Princeton Press QUANTO R$ 68,30 (livro digital; 320 págs.)

Conta a história da amizade entre os filósofos David Hume e Adam Smith (um dos principais teóricos do capitalism­o) e aponta como a convivênci­a deles influencio­u suas ideias.

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Timothy A. Clary - 10.mar.2009/AFP Bernard Madoff deixa tribunal em Nova York em 2009 antes de ser condenado à prisão

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