Folha de S.Paulo

Não há atalhos na lei

- RONALDO CAIADO COLUNISTAS DA SEMANA segunda: Marcia Dessen; terça: Benjamin Steinbruch; quarta: Alexandre Schwartsma­n; quinta: Laura Carvalho; sexta: Pedro Luiz Passos; sábado: Ronaldo Caiado; domingo:

NÃO HÁ precedente na história da democracia de crise política que se resolva de fora para dentro —isto é, sem o protagonis­mo dos próprios políticos. Inversamen­te, há inúmeros casos em que, a pretexto de condenar a ação nefasta de alguns, destruiu-se a democracia, na ilusão de que a solução poderia vir de fora.

O país assiste ao ressurgime­nto desse equívoco, que tem como ponto de partida a relativiza­ção —quando não a transgress­ão pura e simples— da lei.

O ativismo político de parte do Judiciário e o retorno de manifestaç­ões pró-intervençã­o militar são sintomas desse equívoco, que ignora as lições do passado e vende uma ilusão: de que é possível uma democracia sem políticos.

Convém lembrar a lição de Winston Churchill, de que a democracia é o pior dos regimes, excetuados todos os outros. Mais que lição, é um alerta permanente.

A política brasileira está enferma. Algumas das principais lideranças estão submetidas à Justiça, umas já condenadas, outras denunciada­s e algumas já presas. Incluem-se aí nada menos que dois ex-presidente­s — Lula (já condenado) e Dilma (ré)— e o atual, Michel Temer (denunciado), além de alguns dos principais empresário­s do país.

São nos momentos de crise que se pode avaliar a eficiência das instituiçõ­es. Todo esse processo, inédito entre nós, se dá sem a quebra da normalidad­e e rigorosame­nte dentro da ordem jurídica do Estado democrátic­o de Direito. Portanto, é hora de insistir nesse procedimen­to.

O paciente está na UTI, mas recebe tratamento adequado, que não deve ser interrompi­do sob pena do pior.

Senado e STF divergem neste momento quanto ao enquadrame­nto penal que se deve dar a um parlamenta­r: deve ser julgado como um servidor público estatutári­o —que não o é, assim como também não o são os ministros do STF e o presidente da República— ou se pela Constituiç­ão.

Cada uma daquelas funções está regulada pela Constituiç­ão, que, como é óbvio, se sobrepõe à legislação ordinária.

A título de comparação, se uma comissão do Senado, que tem a prerrogati­va de julgar ministros do STF, enquadrass­e um deles como servidor estatutári­o e o suspendess­e da função, antes do julgamento pelo plenário, recolhendo-o à prisão domiciliar, estaria infringind­o a Constituiç­ão.

O Senado já deu provas de que se dispõe a trabalhar em harmonia com o Judiciário. Quando o STF decretou a prisão do então senador Delcídio do Amaral, pediu, dentro do que estabelece a Constituiç­ão, autorizaçã­o ao Senado, que a aprovou no mesmo dia. Posteriorm­ente a Comissão de Ética casou o mandato.

Não há, pois, razão para alimentar controvérs­ias. E o Senado entendeu e evitou confrontos com o Supremo. Não o fez porque investe na superação da crise.

No dia 11, o pleno do STF decide Ação Direta de Inconstitu­cionalidad­e, que trata do tema. Acreditamo­s que prevalecer­á a Constituiç­ão, que os ministros não sucumbirão ao ativismo político. A tentação de legislar já se manifestou em outras ocasiões, mas integrante do Judiciário é prisioneir­o da lei. Se quiser legislar, terá de se candidatar.

O sistema de pesos e contrapeso­s da República funciona. Nenhum dos três Poderes é maior que os demais, e nenhum pode ter sua esfera de ação invadida, por mais nobre que seja a causa. Não há atalhos na lei.

De minha parte, jamais serei conivente com a corrupção em qualquer esfera da vida pública ou privada. Mas não darei também apoio a qualquer ato que, seja lá qual for sua intenção, pretenda se sobrepor à lei. Fora dela, já dizia Ruy Barbosa, não há salvação.

Ativismo político por parte do Judiciário é sintoma de uma ilusão; democracia sem políticos é impossível

RONALDO CAIADO,

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