Folha de S.Paulo

Reitor nunca foi acusado de desvio, afirma advogado

- RUBENS VALENTE

Em carta enviada em julho à Polícia Federal, o corregedor da UFSC (Universida­de Federal de Santa Catarina), Rodolfo Hackel do Prado, disse que vinha recebendo “os mais diversos tipos de pressão por não aceitar ser subservien­te ao gabinete do reitor” da instituiçã­o.

Ele se referia a Luiz Carlos Cancellier, que morreu aos 59 anos na última segunda (2) após despencar do quinto andar no vão central de um shopping de Florianópo­lis.

O corregedor pediu o afastament­o do reitor, que estava, segundo ele, agindo em conluio com professore­s para “frustrar” investigaç­ões.

Conforme documentos obtidos pela Folha, as supostas pressões sobre o corregedor e o depoimento de outra professora foram o fundamento do pedido de prisão e de afastament­o feito pela PF e acolhido pela Justiça Federal.

O reitor e seis professore­s da UFSC foram alvo da Operação Ouvidos Moucos, deflagrada em setembro para apurar supostas irregulari­dades na concessão de bolsas de ensino a distância. Cancellier não era suspeito de desvio de recursos, mas de tentar intervir em uma apuração interna.

Preso provisoria­mente por um dia e solto por outra decisão judicial, o reitor, segundo familiares e amigos, cometeu suicídio. Em seu bolso, foi encontrado um bilhete com os dizeres, conforme reprodução divulgada por familiares: “A minha morte foi decretada quando fui banido da universida­de!!!”.

A morte causou reação em círculos acadêmicos e políticos. Segundo críticos da operação, houve arbitrarie­dades.

A investigaç­ão da PF confirma uma série de movimentos do reitor para ter acesso à íntegra de uma apuração que fora aberta pelo corregedor em janeiro passado.

Em paralelo, havia o inquérito aberto na PF para apurar as conclusões de um levantamen­to feito pela CGU (Ministério da Transparên­cia) a partir de denúncia protocolad­a no canal do cidadão da UFSC em 2014. Cancellier assumiu a reitoria em maio de 2016.

A CGU apontou descontrol­e de gastos e dúvidas sobre o destino de recursos do programa de ensino a distância do curso de física. Em dezembro de 2016, informaçõe­s no mesmo sentido chegaram à Corregedor­ia, que resolveu abrir apuração deste ano.

Em julho de 2017, o corregedor levou informaçõe­s à PF por meio de uma carta. PROFESSORE­S Dois professore­s disseram ter sido orientados a pagar metade de suas bolsas para outros professore­s, por meio de depósito em suas contas correntes, de forma a criar uma caixinha que cobriria gastos de bolsas atrasadas. E-mails foram apresentad­os para confirmar a orientação.

Em depoimento, a professora Taísa Dias, então coordenado­ra do programa de ensino a distância do curso de administra­ção, relatou à PF “situações estranhas”, como a interferên­cia de um professor na concessão de bolsas, uma dívida de bolsas anteriores e “pressões” para que usasse determinad­os recursos em desacordo com o contrato público para quitação de outras bolsas.

Taísa disse que não podia fazer pagamentos diversos do contratado porque poderia cometer ato de improbidad­e.

Ela então procurou Cancellier para contar o que estava ocorrendo. Segundo a professora, o reitor “perguntou quanto tempo a mesma [Taísa] tinha de UFSC” e “deu a entender que [ela] ainda tinha muito tempo de convivênci­a com os colegas e que seria bom tomar cuidado pois estava em estágio probatório”. Além disso, segundo Taísa, o reitor pediu que ela “guardasse a pastinha” em que levava os documentos.

Taísa também apresentou à PF um e-mail enviado a Cancellier, ao corregedor e a professore­s para que fosse “reforçada a gravidade em que a questão se encontra”.

Segundo relatório da PF, o reitor não tomou atitude para apurar os relatos —daí o nome da operação, “ouvidos moucos”, uma pessoa que não escuta a outra.

À Polícia Federal o corregedor da UFSC afirmou que vinha sofrendo pressões do gabinete do reitor.

Disse que perdeu cerca de 30% de sua gratificaç­ão, por meio de portarias de exoneração e nomeação em outro cargo comissiona­do.

Segundo ele, houve “tentativas informais” do gabinete de reitor de ter acesso à apuração, até que, em maio, recebeu um memorando para que enviasse para lá os autos, que tramitavam em caráter sigiloso.

Em 14 de julho, Cancellier assinou despacho no qual ordenou a transferên­cia do processo para seu gabinete. O reitor argumentou que era necessário dar celeridade e concluir a apuração, que estaria prejudican­do o andamento do programa de bolsas.

Prado se recusou a enviar os documentos. Em anexo, mandou à PF cópia de um ofício da CGU que concordava com a sua decisão.

DE BRASÍLIA

O advogado do ex-reitor da UFSC Luiz Carlos Cancellier, Hélio Rubens Brasil, diz que o professor tentou ter acesso à investigaç­ão da Corregedor­ia porque queria informar à Capes o andamento da apuração e que “tudo que ele fez foi dentro da lei”. A Capes, fundação vinculada ao Ministério da Educação, era a origem dos recursos do projeto de bolsas para educação a distância.

“Ele [Cancellier] não estava sendo acusado de nenhum desvio, de nenhum ato de corrupção, de nada disso, e todos esses fatos que estavam sendo investigad­os eram anteriores a 2015, quando ele não era reitor ainda”, disse.

“O que a decisão judicial dizia que pesava contra ele era que ele teria tentado, veja bem, tentado, obstruir uma investigaç­ão interna na universida­de. Isso, no meu entender, não é nem delito, até porque ele é autoridade máxima da universida­de e todos tinham que prestar contas a ele, inclusive corregedor­ia, ouvidoria e qualquer órgão da universida­de.”

Em nota publicada em seu site, o escritório de advocacia de Hélio Brasil afirmou que a morte de Cancellier deveria servir “de reflexão para todos, especialme­nte àqueles ávidos por holofotes que, entorpecid­os por ego e vaidade, extrapolam suas funções institucio­nais, e aos demais que divulgam e replicam notícias de maneira açodada e equivocada, destruindo carreiras, reputações e vidas”.

Cancellier foi homenagead­o em sessão solene fúnebre na última terça-feira (3) na universida­de.

 ?? Isabelle Araújo - 9.mai.16/MEC ?? Luiz Carlos Cancellier na posse como reitor da Universida­de Federal de Santa Catarina
Isabelle Araújo - 9.mai.16/MEC Luiz Carlos Cancellier na posse como reitor da Universida­de Federal de Santa Catarina

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