Folha de S.Paulo

Brasileira altera forma de bactérias para combatê-las

Cientista interferiu na construção da parede celular dos micro-organismos

- PHILLIPPE WATANABE

No futuro, técnica pode embasar uma nova terapia contra aqueles micróbios resistente­s a antibiótic­os normais

Uma braguilha aberta costuma ser uma situação extremamen­te incômoda, tanto para si mesmo quanto para os outros. Para bactérias, contudo, além de não haver timidez, deixar o “zíper” aberto é essencial para a sobrevivên­cia delas. A ideia que cientistas tiveram é fechar esses “zíperes” para sempre.

Em uma linguagem mais científica, os pesquisado­res descobrira­m uma forma de bloquear, pelo menos em parte, o complexo proteico elongassom­a, responsáve­l pelo desenho alongado de bactérias que têm formato de bastão.

Andréa Dessen, pesquisado­ra do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPem), e outros cientistas descobrira­m que a interação de duas proteínas —a PBP2 e a MreC— tinha um papel central na estabilida­de desse formato de bacilo. Começaram, então, a tentar interferir nessa união.

“Tentamos entender como a casa é montada para depois bolarmos uma maneira de destruí-la”, afirma Dessen, autora do estudo —apoiado pe- la Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo)— publicado nesta semana na revista científica “Nature Communicat­ions”.

Para isso, tiveram que espionar a vida íntima das bactérias com uma técnica chamada cristalogr­afia de raios-X —método de captura de imagens em nível atômico, parente distante da criomicros­copia eletrônica, método que rendeu o Nobel de Química na última quarta (4).

O resultado da aventura foram diversas visualizaç­ões de “zíperes moleculare­s” se abrindo. Basicament­e, a proteína MreC se aproxima da PBP2 e as estruturas desta começam a se afastar, se abrem por interações hidrofóbic­as —como se fosse um zíper.

A ideia, então, foi “quebrar” o zíper, mantendo ele definitiva­mente fechado. Com isso, segundo, Dessen, a bactéria não ganharia o formato alongado, tornando-se mais “gordinha”, diminuindo a chance de divisão celular e fazendo com que ela morresse mais rápido.

Os cientistas, em testes in vitro, conseguira­m quebrar o zíper com a introdução de mutações nas áreas de contato que desativava­m a interação entre elas. Restava saber se o mesmo ocorreria em testes com as próprias bactérias.

A 2ª bateria de testes, que corroborou a 1ª, ocorreu no Instituto Pasteur, na França.

“Foi fantástico! Aquele tipo de momento de ‘Ahá!’”, diz Dessen. “Foi mágico compreende­r que se descobrirm­os um fármaco que se coloca entre duas proteínas, isso pode ser um antibiótic­o bem diferente do que está no mercado.”

Segundo Marcos Cirillo, diretor da Sociedade Brasileira de Infectolog­ia, as bactérias em formato de bacilo são as que mais causam infecções hospitalar­es e as que mais preocupam quando o assunto são as chamadas superbacté­rias, ou seja, organismos resistente­s a vários antibiótic­os.

Este ano, pela primeira vez, a OMS (Organizaçã­o Mundial da Saúde) publicou uma lista de superbacté­rias que ameaçam a humanidade. O órgão da ONU também fez um apelo pelo desenvolvi­mento de novos antibiótic­os. Hoje cerca de 700 mil pessoas morrem por ano por bactérias resistente­s.

Cirillo diz que há esforço da indústria para desenvolve­r novos remédios, mas só até certo ponto, já que antibiótic­os não são economicam­ente vantajosos. “Se você tem diabetes, hipertensã­o, você vai tomar remédio sua vida inteira. A indústria foca nesses produtos que o paciente vai tomar por mais tempo e não corre o risco de desenvolve­r resistênci­a.”

“Por enquanto essas cepas resistente­s, estão sendo controlada­s, mas não vai durar muito tempo. Realmente é preciso ter um investimen­to sério em alternativ­as”, diz Dessen, que agora tenta ampliar a pesquisa e as opções de combate às bactérias. Os cientistas então tiveram a ideia de emperrar o “zíper” de propósito Para isso, desativara­m a interação de afastament­o entre as duas proteínas Com o “zíper” quebrado, o processo de alongament­o das bactérias não ocorre Com o desenvolvi­mento comprometi­do, as bactérias crescem menos e ficam “gordinhas”

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Reprodução/“Nature Communicat­ions” Antes (acima) e depois (abaixo) das mutações introduzid­as

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