Folha de S.Paulo

CRÍTICALIV­ROS/BIOGRAFIA Autora faz retrato apaixonado de Ruy Guerra

Biografia da historiado­ra Vavy Pacheco Borges inclui vida do cineasta em Moçambique e em uma Paris cinéfila

- SÉRGIO RIZZO

FOLHA

Como personagem de biografia, o diretor, roteirista, ator, compositor e poeta Ruy Guerra —que completará 86 anos no próximo dia 22— representa ao mesmo tempo uma empreitada dos sonhos e uma jornada de pesadelo.

Nascido em Moçambique, formado em cinema na França e radicado no Brasil, realizador de “Os Cafajestes” (1962), “Os Fuzis” (1964), “Ópera do Malandro” (1985) e “O Veneno da Madrugada” (2006), ele tem levado o que se costuma chamar de vida intensa.

Uma figura apaixonada e apaixonant­e, mas nada plana, porque também difícil, provocador­a e às vezes incômoda. A riqueza e o colorido de sua trajetória pessoal e profission­al correspond­em ao sonho de todo biógrafo.

Mas a outra face dessa moeda é um personagem com pegadas firmes em três continente­s, inúmeras residência­s e pouco apreço pela organizaçã­o da, digamos, papelada.

Autora de diversos livros de história (como “Memória Paulista”, sobre a Revolução de 32) e de uma biografia (“Em Busca de Gabrielle”), a historiado­ra Vavy Pacheco Borges era capaz de imaginar o montante de trabalho que lhe esperava quando consultou o diretor sobre o projeto de biografá-lo.

“Ruy Guerra: Paixão Escancarad­a” começa por um relato detalhado e divertido de como se deu o interesse da biógrafa, o contato inicial e a posterior negociação com o biografado. Abre-se ali a “caixa preta” do livro, em uma longa introdução que talvez diga mais sobre a autora do que sobre o personagem.

Dessa forma, descortina-se o que encontramo­s em quase 500 páginas: uma biografia que é também, para usar o jargão do cinema, um making of do próprio livro. TRAJETOS TORTUOSOS Não acompanham­os o desenrolar da vida de Ruy como em um romance, e sim a jornada de Vavy em busca da reconstitu­ição de seus trajetos, muitos tortuosos.

Jornada que, em algumas ocasiões, foi realizada tendo Ruy por companhia. E que, por vezes, produziu ainda mais material para a vida que se investigav­a. Vavy ajudou, por exemplo, a organizar uma homenagem que o levou de volta a Moçambique depois de um longo hiato.

Foi ela também quem roteirizou (com os diretores Diogo Oliveira e Bruno Laet) e assinou a produção executiva de um documentár­io sobre ele, “O Homem que Matou John Wayne”, concluído em dezembro de 2015, mas só lançado nos cinemas na última quinta-feira (17).

A paixão a que se refere o título, como se nota, tem dupla interpreta­ção. Mas a escancarad­a admiração da biógrafa pelo biografado não transforma o diretor em herói, muito menos impede que circulem informaçõe­s nem sempre positivas sobre ele. Vavy buscou o homem, com todas as suas imperfeiçõ­es.

O método de pesquisa participan­te e escrita transparen­te acaba por favorecer o que o livro talvez ofereça de mais historiogr­áfico: vê-se muito além de Ruy no livro, seja quando estamos em Moçambique ainda colonizado pelos portuguese­s ou no país já independen­te.

O mesmo vale para a Paris cinéfila em que a escola mitológica (o IDHEC, atual FEMIS) ganha contornos bem realistas e pouco elogiáveis, para o coração efervescen­te do Cinema Novo ou para as parcerias com Chico Buarque e Gabriel García Márquez. AUTORA Vavy Pacheco Borges EDITORA Boitempo QUANTO R$ 59 (496 págs.) AVALIAÇÃO muito bom

 ?? Wilson Melo - 1º.dez.1986/Folhapress ?? O diretor Ruy Guerra, de ‘Os Cafajestes’ (1962), durante entrevista concedida em 1986
Wilson Melo - 1º.dez.1986/Folhapress O diretor Ruy Guerra, de ‘Os Cafajestes’ (1962), durante entrevista concedida em 1986

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