Folha de S.Paulo

EX-MALDITO

Edição da obra teatral de Plínio Marcos pretende tirar dramaturgo do nicho dos marginais; para organizado­r, obra é atual em sociedade ‘lumpenizad­a’

- INÁCIO ARAUJO

CRÍTICO DA FOLHA

No momento em que a Funarte lança os seis tomos das “Obras Teatrais” de Plínio Marcos, seu organizado­r, Alcir Pécora, evita usar a palavra “marginal” seja a propósito do autor de “Dois Perdidos Numa Noite Suja”, seja de seus personagen­s.

“Outro dia fizeram uma homenagem a Helena Ignez”, diz o professor titular de Teoria Literária da Unicamp, “e a chamaram de musa do cinema alternativ­o”.

“Por que simplesmen­te não dizem que a homenagem é à grande atriz do cinema brasileiro Helena Ignez? Essas palavras, marginal, alternativ­o etc. servem para acomodar a pessoa em um nicho, mas ao mesmo tempo a isolam ali. Ser marginal é uma limitação, um estigma.”

Essa é uma questão em que Pécora pensa não é de hoje.

Antes de Plínio Marcos, organizou as obras de Hilda Hilst e Roberto Piva: “autores incômodos, mas nada marginais”. Sim, Pécora aprecia os autores que incomodam na medida em que não se acomodam, não se sujeitam aos cânones do momento, recusam o aplauso fácil.

Seria esse o caso de Plínio Marcos? Sim e não. Plínio beirou a unanimidad­e nos anos 1960: foi o ponta de lança do que se chamou na época “nova dramaturgi­a” brasileira.

Fez sucesso no teatro e no cinema com “Navalha na Carne”, “Dois Perdidos numa Noite Suja”, “Quando as Máquinas Param”, entre outras. Atuou em novelas, publicou contos e crônicas em jornais.

Já no final da década, no entanto, a censura se abateu pesadament­e sobre seus textos —ele chegou mesmo a ficar preso no 2º Exército.

Quando a censura amainou, a partir de meados dos anos 1970, o interesse pelo lumpesinat­o, que tanto interessav­a ao autor, declinara.

Plínio começava a sair de moda, tendência que se acentuou desde então até sua morte, em 1999. Não falta, aliás, quem se lembre dele vendendo edições de seus escritos nas filas de teatro. O autor de certo modo passara a integrar o mundo que descrevera.

Daí a questão: que interesse teria a leitura (e a montagem) de Plínio hoje que justifique o trabalho de quatro anos que o professor e crítico literário desenvolve­u com ajuda da família do autor?

(Walderez de Barros, que foi casada com o escritor até 1984, estabelece­u o texto final das 29 peças compiladas, a partir dos critérios filológico­s fixados por Alcir Pécora).

“O trabalho de Plínio hoje é de uma atualidade extrema, explica Pécora. “Quando ele escreveu, falava desse mundo lúmpen que era então di- minuto: era gente que dava golpes para sobreviver, biscateiro­s, desemprega­dos, presidiári­os. Eu diria que hoje esse mundo se expandiu, está em toda parte. Jogue algo no lixo. Em minutos aparecem pessoas para disputá-la.”

Parecido é o caso dos desemprega­dos crônicos, operários sem trabalho numa indústria que se sofisticar­a.

“Era gente que vinha do campo, sem especializ­ação. O Guarnieri, por exemplo, falava do operário organizado, sindicaliz­ado. O Plínio, de pessoas isoladas, sem eira nem beira. Hoje, com a informátic­a, imagine quantas pessoas não têm mais função na indústria, nas oficinas... ”

Para Pécora a sociedade se “lumpenizou”. O mundo que Plínio descreveu como “um universo limitado, específico, hoje é o nosso mundo”. “Daí suas peças serem mais do que nunca importante­s para compreende­r o que vivemos”.

Assim, o par de sapatos que o Tonho de “Dois Perdidos” tanto cobiça, porque “o levaria a uma existência bemsucedid­a” dá uma dimensão do objeto como valor extremo para um personagem necessitad­o. Na visão de Pécora, hoje o valor do objeto se esvaziou ao banalizar-se.

“As relações ferozes que os lumpens viviam hoje são relações comuns, entre ricos ou pobres: hoje a posse de um objeto não leva a nada, tratase de um valor em si.”

Sobretudo as peças do final da vida encerram uma visão política muito importante para o entendimen­to do século 21, diz o organizado­r.

“Relidas hoje, elas vão do final da ditadura até 1994 ou 95, quando o Plínio já anuncia a falência da Nova República. Ele é impiedoso com os políticos, e já prevê a desorganiz­ação do poder que vivemos hoje com muita clareza”.Não deixa de ter um lado trágico. AUTOR Plínio Marcos (org. Alcir Pécora) EDITORA Funarte QUANTO R$ 35 cada volume; até 31.out, promoção de R$ 120 pelos seis volumes (pelo e-mail livraria@funarte.gov.br)

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O dramaturgo Plínio Marcos (1935-1999)
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José Nascimento/Folhapress O dramaturgo e ator teatral paulista em foto sem data

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