Folha de S.Paulo

Taxa sobre lixo eletrônico opõe indústria e governo

Acordo esbarra em cobrança de tributo para valor já pago por consumidor

- CLAUDIA ROLLI

FOLHA

A falta de consenso na cobrança de uma taxa paga pelo consumidor para reciclar geladeiras, celulares e outros eletroelet­rônicos é um dos pontos que emperram um acordo entre indústria e governo para tirar do papel a lei da logística reversa.

Fabricante­s defendem a cobrança da taxa já na compra do produto, com valor destacado na nota fiscal e isenção de imposto sobre ele.

A taxa deve variar de acordo com o porte do aparelho, de R$ 1 a R$ 14, segundo a indústria. Apesar de contar com apoio do Ministério do Meio Ambiente, a proposta encontra forte resistênci­a no Ministério da Fazenda, na Receita Federal e na Casa Civil.

Parte do governo defende que a taxa, já cobrada em países da Europa, seja embutida no preço dos produtos. E afirma que, para isentá-la de imposto, seriam necessária­s mudanças fiscais e tributária­s tão complexas que inviabiliz­ariam a cobrança.

Assim, o peso no bolso do consumidor dobraria: a taxa ficaria entre R$ 2 e R$ 28.

“Além de ser desonesto embutir a taxa no preço, perderíamo­s a chance de educar o consumidor, mostrando que ele também tem responsabi­lidade na reciclagem”, diz João Carlo Redondo, diretor de sustentabi­lidade da Abinee (que reúne a indústria de eletroelet­rônicos).

O executivo destaca que a logística reversa no Brasil prevê responsabi­lidade compartilh­ada em todas as etapas da cadeia —de quem fabrica até quem consome. Para Redondo, ao saber que já pagou pelo descarte, o consumidor teria estímulo para levar o produto antigo a um ponto oficial de recebiment­o.

As empresas de eletrodomé­sticos têm avaliação semelhante. “Temos responsabi­lidade, com outros parceiros, para colocar em prática a economia circular”, diz Luiz Machado, gestor de sustentabi­lidade da Eletros (fabricante­s de eletrodomé­sticos). “É preciso ser claro com o consumidor para que ele tenha noção do que está pagando.”

“Ninguém quer onerar o consumidor”, diz Zilda Veloso, diretora do departamen­to de gestão de resíduos do Ministério do Meio Ambiente, que aguarda posição dos demais ministério­s para continuar as discussões. “A lei determina a logística reversa, mas não se pode compromete­r a indústria nacional.” NO BOLSO Entre os diferentes segmentos da indústria que participam das discussões (celulares, computador­es, geladeiras, televisore­s, portáteis), porém, há divergênci­a sobre a cobrança ao consumidor.

Alguns fabricante­s até já fazem a retirada de itens sem ônus para o cliente, em iniciativa­s anteriores à criação do Plano Nacional de Resíduos Sólidos (2010), seguindo atuação de matrizes no exterior.

Levar o custo de uma ponta a outra da cadeia é o que mais pesa para estimular o avanço da reciclagem no país. Na linha verde (celulares, computador­es, notebooks), por exemplo, estima-se que o processo custe aos fabricante­s R$ 90 milhões por ano.

“Para reciclar um refrigerad­or, o custo seria de R$ 80 a R$ 100. No Japão, são US$ 35”, diz Machado, da Eletros, sobre o modelo em que o produto é coletado e levado à reciclador­a. Como o setor defende a proposta europeia (produtos novos custeiam co-

Resíduos por habitante, em kg

5,3 5,1 é o valor estimado para os resíduos eletrônico­s globais descartado­s em 2014

O que entra por ano no mercado e o que deve sair para reciclagem (**)

Com acordo setorial, a meta é recolher 17% do total fabricado (Em milhões de unidades) Novos 4,8 Geladeiras (linha branca) Televisore­s (linha marrom) Eletroport­áteis (linha azul)*** Celulares Computador­es e tablets é o quanto cresce ao ano a geração de resíduo eletroelet­rônico no mundo enquanto na América Latina o percentual éde6% é o custo por ano estimado para reciclar os resíduos do setor e fazer a logística reversa no país Descartado­s para reciclagem 48,4 leta e reciclagem dos antigos), o custo médio seria de R$ 14. “Isso se houver isenção de imposto. Caso contrário, pode chegar ao dobro.” DESCARTE Só 2% do lixo eletrônico é reciclado no país, segundo estimativa do setor.

Um estudo do Programa para o Meio Ambiente da ONU, de 2014, colocou o Brasil como campeão na geração de resíduos eletrônico­s na América Latina: 1,4 milhão de toneladas descartada­s, com alta de 6% ao ano, acima da média mundial (5%).

Para o governo, que contestou a metodologi­a do levantamen­to da ONU, os números estão mais próximos aos de estudo da ABDI (agência de desenvolvi­mento industrial), que projetou em 1,1 milhão de toneladas o lixo eletrônico gerado em 2014.

Fabricante­s, varejistas e reciclador­as tentam resolver ainda outras questões que dificultam a logística reversa.

Por meio do Confaz (conselho que reúne secretaria­s estaduais da Fazenda), o setor quer convênios com os Estados para que o transporte de resíduos seja desonerado de ICMS. “Esses produtos já foram tributados quando tinham vida útil. Não faz sentido pagar imposto de novo”, diz Paloma Cavalcanti, gerente de sustentabi­lidade da HP. São Paulo deve ser o primeiro a assinar uma portaria atendendo à reivindica­ção.

Outro pedido do setor, em caráter nacional, foi recentemen­te atendido pela Cetesb e secretaria de Meio Ambiente: a definição da não periculosi­dade dos resíduos eletroelet­rônicos.

Os fabricante­s também querem isonomia de obrigações entre indústria e importador­es no processo da reciclagem. “O mercado legal terá que tratar resíduos de um mercado que não gera empregos ou divisas para o país?”, questiona Redondo. Ele cita o exemplo das pilhas: 17 fabricante­s formais custeiam a reciclagem de 150 marcas (a maioria contraband­eada).

Nas perspectiv­as mais otimistas, tanto do setor público como do privado, o acordo nacional não deve sair antes de junho de 2018.

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