Reforma em Bruzundanga
Em Bruzundanga, conta-nos Lima Barreto, “de há muito que os políticos práticos tinham conseguido quase totalmente eliminar do aparelho eleitoral este elemento perturbador —o voto”. Para evitar “o trabalho infernal na apuração” os mesários “lavravam as atas conforme entendiam e davam votações aos candidatos, conforme queriam”.
O “elemento perturbador” —o voto— também foi objeto de intensa preocupação por parte dos parlamentares na reforma política atual. Como fraudes não são viáveis, os parlamentares voltaram-se para insular ainda mais os representantes dos representados com a criação de um fundo bilionário de campanha. Com ele busca-se mitigar os custos reputacionais brutais que acumularam. Ele reflete o fosso entre a sociedade e seus representantes: e terá que ser tanto maior quanto mais desmedido for o hiato entre os dois. Ele não é o “custo da democracia”, mas o custo da disrepresentação.
A proposta inicialmente previa um sistema misto alemão para 2022 e lista fechada em 2018, como regra de transição. Mas esse dispositivo conflitava com muitos interesses e o distritão surgiu como solução para a lista fechada. Mas ele contrariava sobretudo o PT por seu impacto negativo sobre as siglas partidárias e por favorecer candidaturas individuais.
Para o PMDB, a combinação distritão-fundo era ótima e o PT entendeu que era o preço a pagar para garantir o essencial, o fundo. Com a proibição das doações empresariais o partido estava no mato sem cachorro, ou melhor: no mato sem caneta para assinar contratos, e nomeações. E o contrafactual importa: teria havido reforma sem este choque?
Mas esqueceram de combinar com os russos. Tinha russo na opinião pública, no centrão, na mídia. A hiperfragmentação partidária chegou a um ponto em que gerou “veto players” para as mudanças.
O plano acabou não dando certo. A elevada incerteza política criou um viés pró status quo. E a Bruzundanga não é mais a mesma! Os russos multiplicaram-se e adquiriram certa musculatura. Conseguiram mitigar os estragos mas não infligir uma derrota: o fundo acabou sendo criado, mas com rubricas. A cláusula de barreira e veto às coligações proporcionais passaram. Salve!
A reforma política aprovada por Congresso disfuncional — com exceção do timing e do fundo— é a ideal para muitos especialistas. Na realidade, eles já previam esse resultado: reformas com custos concentrados e benefícios difusos só são viáveis quando diferem no tempo seus efeitos. Ou compensam os perdedores. A crise de representação exige mudanças já, mas elas só começam em 2022! E tem um fundo no meio do caminho!