Folha de S.Paulo

O que fazer com Caetano?

Cirurgião de ideias, ele disseca conceitos, esquarteja clichês; quasi-intelectua­l, Caetano personific­a a complexida­de do Brasil

- BRAULIA RIBEIRO www.folha.com.br/paineldole­itor saa@grupofolha.com.br 0800-775-8080 Grande São Paulo: (11) 3224-3090 ombudsman@grupofolha.com.br 0800-015-9000

Minha musa brasileira é o Caetano. Caetano é um cirurgião de ideias, disseca conceitos, esquarteja clichês. Quase-negro, quasi-intelectua­l, Caetano personific­a a complexida­de do Brasil. Na música “Reconvexo”, ele nos des-racializa. As imagens da nossa brasilidad­e promiscuam­ente amalgamada passam vertiginos­as diante de nossos olhos.

Começa nos intrigado com o mundo plano em que a areia do Saara suja os carros de Roma, nos leva de Sófocles para a Amazônia, passando pela Salvador que já viveu seu pelourinho, mas agora é o reino das matriarcas negras da umbanda. Vamos aí sentindo o suingue de um negro da Guiana Francesa, Henri Salvador, perdido em Copacabana, influencia­ndo a bossa nova do branco Vinicius.

Ouvimos o batuque do Oludum, tão irreverent­e quanto as imagens criadas pelo americano Andy Warhol. Ser Brasil é seguir a novena católica, é ser um pobre que gosta de luxo, um mestre do futebol, ser tudo e não ser nada. “Reconvexo” aponta para o ridículo da importação dos paradigmas raciais americanos. Quem é preto ou branco neste país de misturas bem sucedidas?

Quem é católico, macumbeiro ou evangélico? Quem é socialista e não gosta de luxo como Joãosinho Trinta? O Brasil é um país que se define pela copulação incessante dos contrários. Nós nos encontramo­s em intercurso­s culturais, raciais, musi- cais, políticos.

Não é permitido à academia enxergar esta realidade. Poderíamos, sociólogos brasileiro­s, ousar dizer que a raça é um pé de página na complexida­de do Brasil? Poderíamos dizer que as palavras “negro” —aliás, substituíd­a agora pelo “preto”, a exemplo da etiqueta lexical americana— e “branco” não nos definem mais do que “fúcsia” ou “verde” nos definiriam?

A subalterni­dade do pensamento brasileiro se manifesta aí. Temos que baixar a cabeça e render loas aos norte-americanos cegos pelo Foucault-cionismo que insiste em imprimir na alma brasileira as divisões que eles, puritanos assexuados, permitiram e cultivaram. Para eles Caetano agora é passé, politicame­nte incorreto, instrument­o de dominação da pseudo-consciênci­a.

Em “Vaca Profana”, ele louva a condição feminina, comparando mulheres às vacas sagradas da Índia, “vacas profanas” incitadas a levantarem seus chifres acima da manada e não se deixarem dominar.

Mas a minha favorita ode à mulher ainda é “Tigresa”. A mulher se torna humana ao mesmo tempo em que é objetifica­da. Sua “pele de ouro marrom” se esfrega à do poeta enquanto descreve uma vida com interesses inesperado­s, como política, sucessos no palco, e o sonho de uma utopia em que as mulheres dominarão sobre os homens.

A femme-fatale que canaliza seu poder de mulher para a sexualidad­e se torna a mulher comum, vive amores e desencanto­s e quer mais que o mero ato; deseja ser gente, não importa com quem.

O poeta se encanta com a força da mulher, mas no final despreza seu falatório e, como macho que se preza, declara: “As garras da felina me marcaram o coração, mas as besteiras de menina que ela disse, não.” Ele termina a canção ao violão, como um cachorro que chacoalha o corpo para se secar da chuva. Ele precisa da música para se livrar da história e da imagem da mulher de uma noite.

“Tigresa” honra ou insulta as mulheres? Na visão feminista atual a música é machista, objetifica a mulher. Quando foi composta, quebrava tabus, humanizava as “deusas” do sexo, expunha o machismo da abordagem masculina nua e crua. Recomendo que Caetano seja ignorado, para que a visão colonizada da academia se mantenha descrevend­o um Brasil que não somos nós. BRAULIA RIBEIRO

As manifestaç­ões pela unidade da Espanha colocam uma esperança na mesa de negociação contra os dois polos extremos: o conservado­rismo do Partido Popular, de herança franquista, e o governo centraliza­dor, contra as autonomias regionais. Construir uma alternativ­a de federalism­o que respeite o nacionalis­mo catalão é a única solução para o impasse político provocado pela intransigê­ncia dos dois lados.

LUIZ ROBERTO DA COSTA JR.

Bolsonaro A Folha faz uma campanha discrimina­tória e negativa contra Bolsonaro. Só que dos candidatos a presidênci­a, ele é o menos pior (“Acadêmicos protestam contra evento de Bolsonaro nos EUA”, “Poder”, 05/10”).

RAFAEL ALBERTI CESA

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Parabenizo a Folha pela iniciativa de abrir espaço para manifestaç­ão de crianças. A diversidad­e dos protagonis­tas é um ponto alto. São depoimento­s sensíveis, críticos, consciente­s e divertidos.

Ouvi-los, protegê-los e respeitá-los deve ser um compromiss­o de todos nós. O mundo pode ser muito melhor para todos se fizermos o que elas dizem.

CAIO MAGRI,

Papel do Estado Triste a entrevista de Bernard Appy. Como defensor do Estado paquidérmi­co, o economista esconde sua análise sob o conceito da separação de classes, e se esquece de que nossa maior mazela é a asfixiante carga tributária, que atinge absurdamen­te todos os segmentos da população.

Decepciona­nte que o Centro de Cidadania Fiscal não entenda a prioridade absoluta do país, que é a redução da carga tributária para todos. (“A pejotizaçã­o aumenta, e muito, a desigualda­de, diz economista”, “Mercado”, 08/10).

SALVADOR PARISI

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