O que fazer com Caetano?
Cirurgião de ideias, ele disseca conceitos, esquarteja clichês; quasi-intelectual, Caetano personifica a complexidade do Brasil
Minha musa brasileira é o Caetano. Caetano é um cirurgião de ideias, disseca conceitos, esquarteja clichês. Quase-negro, quasi-intelectual, Caetano personifica a complexidade do Brasil. Na música “Reconvexo”, ele nos des-racializa. As imagens da nossa brasilidade promiscuamente amalgamada passam vertiginosas diante de nossos olhos.
Começa nos intrigado com o mundo plano em que a areia do Saara suja os carros de Roma, nos leva de Sófocles para a Amazônia, passando pela Salvador que já viveu seu pelourinho, mas agora é o reino das matriarcas negras da umbanda. Vamos aí sentindo o suingue de um negro da Guiana Francesa, Henri Salvador, perdido em Copacabana, influenciando a bossa nova do branco Vinicius.
Ouvimos o batuque do Oludum, tão irreverente quanto as imagens criadas pelo americano Andy Warhol. Ser Brasil é seguir a novena católica, é ser um pobre que gosta de luxo, um mestre do futebol, ser tudo e não ser nada. “Reconvexo” aponta para o ridículo da importação dos paradigmas raciais americanos. Quem é preto ou branco neste país de misturas bem sucedidas?
Quem é católico, macumbeiro ou evangélico? Quem é socialista e não gosta de luxo como Joãosinho Trinta? O Brasil é um país que se define pela copulação incessante dos contrários. Nós nos encontramos em intercursos culturais, raciais, musi- cais, políticos.
Não é permitido à academia enxergar esta realidade. Poderíamos, sociólogos brasileiros, ousar dizer que a raça é um pé de página na complexidade do Brasil? Poderíamos dizer que as palavras “negro” —aliás, substituída agora pelo “preto”, a exemplo da etiqueta lexical americana— e “branco” não nos definem mais do que “fúcsia” ou “verde” nos definiriam?
A subalternidade do pensamento brasileiro se manifesta aí. Temos que baixar a cabeça e render loas aos norte-americanos cegos pelo Foucault-cionismo que insiste em imprimir na alma brasileira as divisões que eles, puritanos assexuados, permitiram e cultivaram. Para eles Caetano agora é passé, politicamente incorreto, instrumento de dominação da pseudo-consciência.
Em “Vaca Profana”, ele louva a condição feminina, comparando mulheres às vacas sagradas da Índia, “vacas profanas” incitadas a levantarem seus chifres acima da manada e não se deixarem dominar.
Mas a minha favorita ode à mulher ainda é “Tigresa”. A mulher se torna humana ao mesmo tempo em que é objetificada. Sua “pele de ouro marrom” se esfrega à do poeta enquanto descreve uma vida com interesses inesperados, como política, sucessos no palco, e o sonho de uma utopia em que as mulheres dominarão sobre os homens.
A femme-fatale que canaliza seu poder de mulher para a sexualidade se torna a mulher comum, vive amores e desencantos e quer mais que o mero ato; deseja ser gente, não importa com quem.
O poeta se encanta com a força da mulher, mas no final despreza seu falatório e, como macho que se preza, declara: “As garras da felina me marcaram o coração, mas as besteiras de menina que ela disse, não.” Ele termina a canção ao violão, como um cachorro que chacoalha o corpo para se secar da chuva. Ele precisa da música para se livrar da história e da imagem da mulher de uma noite.
“Tigresa” honra ou insulta as mulheres? Na visão feminista atual a música é machista, objetifica a mulher. Quando foi composta, quebrava tabus, humanizava as “deusas” do sexo, expunha o machismo da abordagem masculina nua e crua. Recomendo que Caetano seja ignorado, para que a visão colonizada da academia se mantenha descrevendo um Brasil que não somos nós. BRAULIA RIBEIRO
As manifestações pela unidade da Espanha colocam uma esperança na mesa de negociação contra os dois polos extremos: o conservadorismo do Partido Popular, de herança franquista, e o governo centralizador, contra as autonomias regionais. Construir uma alternativa de federalismo que respeite o nacionalismo catalão é a única solução para o impasse político provocado pela intransigência dos dois lados.
LUIZ ROBERTO DA COSTA JR.
Bolsonaro A Folha faz uma campanha discriminatória e negativa contra Bolsonaro. Só que dos candidatos a presidência, ele é o menos pior (“Acadêmicos protestam contra evento de Bolsonaro nos EUA”, “Poder”, 05/10”).
RAFAEL ALBERTI CESA
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Parabenizo a Folha pela iniciativa de abrir espaço para manifestação de crianças. A diversidade dos protagonistas é um ponto alto. São depoimentos sensíveis, críticos, conscientes e divertidos.
Ouvi-los, protegê-los e respeitá-los deve ser um compromisso de todos nós. O mundo pode ser muito melhor para todos se fizermos o que elas dizem.
CAIO MAGRI,
Papel do Estado Triste a entrevista de Bernard Appy. Como defensor do Estado paquidérmico, o economista esconde sua análise sob o conceito da separação de classes, e se esquece de que nossa maior mazela é a asfixiante carga tributária, que atinge absurdamente todos os segmentos da população.
Decepcionante que o Centro de Cidadania Fiscal não entenda a prioridade absoluta do país, que é a redução da carga tributária para todos. (“A pejotização aumenta, e muito, a desigualdade, diz economista”, “Mercado”, 08/10).
SALVADOR PARISI