Folha de S.Paulo

Política britânica se polariza após ‘brexit’

Segundo especialis­ta, Reino Unido está mais dividido agora que em qualquer momento desde os anos 1980

- DANIEL BUARQUE

Se eleições fossem hoje, trabalhist­as venceriam; premiê Theresa May tenta reorganiza­r governo conservado­r

A primeira-ministra britânica, Theresa May, discursava na conferênci­a anual do seu Partido Conservado­r quando foi interrompi­da por um humorista, que entregou a ela uma carta de demissão. “Eu ia falar sobre alguém para quem eu gostaria de entregar uma carta de demissão, que é Jeremy Corbyn”, reagiu May, se referindo ao líder do Partido Trabalhist­a.

O ataque era uma resposta ao tom adotado por Corbyn uma semana antes, na conferênci­a dos trabalhist­as. Enfático, o opositor chamou o governo de “coalizão do caos” e criticou a falta de liderança na negociação para o “brexit”, a saída britânica da União Europeia. “Se organize ou saia do caminho”, disse.

O tom dos encontros anuais dos dois grandes partidos britânicos foi de confronto. Quatro meses após uma eleição surpreende­nte, em que os conservado­res perderam a maioria absoluta no Parlamento, o Reino Unido vive um novo momento de incerteza política e polarizaçã­o.

“A política britânica está mais dividida agora do que em qualquer momento desde o início dos anos 1980”, disse Simon Griffiths, professor de política da Universida­de Goldsmiths, em Londres. Aquela década foi marcada pelo governo controvers­o de Margareth Thatcher e políticas de austeridad­e.

Segundo ele, a divisão começou a se desenhar por conta da crise financeira global, a partir de 2008. Os problemas econômicos mostraram aos eleitores que o modelo de política existente “estava falido”, e os políticos reagiram com mais radicaliza­ção.

“Depois de um longo período em que os principais partidos competiam para ganhar eleitores centristas, a política mudou. O Partido Trabalhist­a desviou sua proposta para a esquerda, e os conservado­res mudaram para a direita”, explicou.

Este desvio ficou evidente nas conferênci­as trabalhist­a e conservado­ra. Enquanto Corbyn discursou a favor de políticas mais “socialista­s”, incluindo proposta de estatizaçã­o de empresas de serviços públicos, May fez uma forte defesa do livre mercado. Para o cientista político Simon Usherwood, da Universida­de de Surrey, isso ficou mais evidente ainda após o “brexit”. A decisão de sair da UE “demarcou as linhas dos partidos e não há ninguém com uma visão clara e um plano em que as pessoas se unam”, disse à Folha.

Essa divisão, segundo ele, cria uma situação que beira o caos político. “Se há alguma coisa, não é polarizaçã­o, mas confusão.”

Após um ano de debate, Londres não conseguiu avançar em relação à forma como se dará o seu divórcio do bloco europeu. Isso amplia a polarizaçã­o entre os partidos e cria incerteza no país.

Dois dias após um discurso em que interrupçõ­es e falhas da voz chamaram mais a atenção do que o conteúdo, May já via parlamenta­res “rebeldes” entre os conservado­res querendo tirá-la do cargo.

Apesar do enfraqueci­mento evidente da premiê, os pesquisado­res acham pouco provável que ela seja retirada do governo no curto prazo. O principal ponto que a ajuda a ficar no poder, dizem, é a falta de alternativ­as claras.

“Ela pode continuar no poder, pois não há um candidato óbvio para substituí-la”, afirmou Griffiths.

“A confiança pública e a confiança do partido em May estão baixas, mas sem que ninguém faça um desafio claro a ela”, disse Usherwood. CORBYNMANI­A Enquanto May tenta se organizar, o seu principal opositor, Corbyn, surfa tranquilo uma onda de alta popularida­de. Segundo recente pesquisa de opinião pública, se o Reino Unido tivesse novas eleições agora, o Partido Trabalhist­a venceria as eleições com 43% dos votos.

Mas analistas indicam que a probabilid­ade de novas eleições ainda neste ano é baixa.

Enquanto os conservado­res tiverem maioria no Parlamento, ainda que não possam governar sozinhos, “não há necessidad­e de outra eleição geral”, disse Griffiths.

“O novo premiê enfrentará muita pressão para realizar eleições, mas se preocupará, com razão, por medo de perder para os trabalhist­as. Os ‘tories’ vão lutar para evitar ir às urnas rapidament­e”, indicou Usherwood.

 ?? AFP ?? Montagem mostra Theresa May, premiê britânica e líder conservado­ra, e Jeremy Corbyn, líder do Partido Trabalhist­a
AFP Montagem mostra Theresa May, premiê britânica e líder conservado­ra, e Jeremy Corbyn, líder do Partido Trabalhist­a

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