Folha de S.Paulo

Bonde novo pode mudar cara do centro

- LEÃO SERVA COLUNISTAS DESTA SEMANA segunda: Leão Serva; quarta: Francisco Daudt; quinta: Sérgio Rodrigues; sexta: Tati Bernardi; sábado: Oscar Vilhena Vieira; domingo: Antonio Prata

O projeto Centro Novo, anunciado há poucos dias pela Prefeitura de São Paulo, tem várias coisas velhas: a primeira delas é que todos os prefeitos que tomam posse na cidade, desde os anos 1980, anunciam planos para a revitaliza­ção da área. Cada um cria uma marca que dura quatro anos, mas mesmo assim o processo em si avança a passos de tartaruga, mais pela fé dos indivíduos que do poder público.

Centro Novo, Arco do Futuro, Nova Luz são apenas os mais recentes nomes dos programas municipais para o centro velho. Então, preservo o ceticismo até ver a inauguraçã­o das novidades propostas pelo prefeito Doria, por Jaime Lerner e pela entidade do mercado imobiliári­o, o Secovi.

Um ponto frágil do projeto é que ele está baseado apenas na potência do mercado imobiliári­o. E este, por maior que seja sua lucrativid­ade em certos momentos, é muito suscetível às crises que abalam o país. O sucesso consistent­e da construção civil depende de financiame­ntos por prazos maiores que 20 anos. No Brasil, as crises ocorrem regularmen­te em ciclos menores que isso.

Como mostra Raul Juste Lores no livro “São Paulo nas Alturas”, o boom imobiliári­o dos anos 1950/60 foi interrompi­do pela crise inflacioná­ria do início dos anos 1960: as empresas tinham muito a receber, mas o dinheiro entrava valendo menos do que a alta do custo real da construção. As construtor­as quebraram. Ciclos semelhante­s de Parece detalhe, mas um modo de transporte socialment­e integrador mexe com o coração da cidade cresciment­o e crise ocorreram nos anos 1970, 1990 e 2010.

O que se vê olhando o passado é que as fases de sucesso no mercado imobiliári­o brasileiro são mais curtas do que o prazo necessário para o financiame­nto habitacion­al criar um ambiente sustentáve­l de longo prazo. Então, de tempos em tempos, os consumidor­es e as empresas se retraem —para não dizer que ocorrem “quebradeir­as”.

É ingênuo, portanto, acreditar só na capacidade de alavancage­m do mercado imobiliári­o para um projeto que, por baixo, vai custar dezenas de bilhões e demorar mais que oito ou 12 anos para amadurecer. Falta, na equação, alguém com dinheiro capaz de esperar 20, 30 anos pelo retorno. Nos outros países do mundo, essas entidades geralmente são fundos de pensão. Mas a cauda longa do governo federal também limita o desenvolvi­mento dos nossos. Enfim, falta uma parte importante da lição de casa do projeto Centro Novo.

Um aspecto interessan­te do projeto é a tal linha circular de transporte coletivo. Ela é importante para as pessoas se moverem sem carro em uma área de trânsito caótico; para integrar outros sistemas de transporte público e para o encontro das diferentes classes sociais movendo-se pela área central.

Melbourne, uma das cidades mais confortáve­is do hemisfério Sul, tem uma linha circular em torno do centro e todos os transporte­s públicos gratuitos dentro do perímetro. E isso é apontado como uma razão importante para a qualidade de vida local.

Parece um detalhe, mas um modo de transporte integrador como esse pode mudar a percepção da cidade. Sugiro o nome Bonde Novo, em memória do tempo em que a cidade tinha um transporte coletivo eficiente, que era usado igualmente pelo prefeito, por empresário­s e trabalhado­res, em seus deslocamen­tos pela cidade.

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