Folha de S.Paulo

Vítima de tiros deixa São Paulo em busca de paz

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DE SÃO PAULO

“Quando vi, a arma estava apontada na minha direção, a três ou quatro metros. O cara mirou e deu. Eu só senti o impacto. Caí desacordad­o. Me surpreendi quando acordei e percebi que ainda estava vivo.”

O comerciant­e Marinaldo Santos de Santana, 33, autor do relato, é uma das vítimas da violência no Jardim São Luís, no extremo sul de São Paulo. O caso aconteceu em agosto de 2016, em um bar que tinha em sociedade com o irmão, que morreu naquele dia.

Do episódio, sobraram a cicatriz no peito e os sonhos constantes com o caçula, Rosivaldo Santos de Jesus, 30.

“Pior dor do mundo perder um irmão. O que precisasse dele eu podia contar. Ajudava muita gente, morreu ajudando os outros”, diz ele, que decidiu deixar o Estado.

Rosivaldo tentava proteger uma conhecida de seu ex-namorado, contra quem já havia feito várias queixas à polícia por ameaça, o que gerou uma rixa entre os dois. A moça postou uma foto nas redes sociais no bar dos dois irmãos, que estava lotado durante uma apresentaç­ão de um grupo de samba.

O ex-namorado ciumento apareceu armado. Acertou um amigo dos donos do bar logo na chegada —mesmo baleado na cabeça, o homem sobreviver­ia. “Do nada, ouvimos sete, oito tiros. Estávamos eu e meu irmão no balcão do bar. Falei: ‘É tiro, é tiro’. Ele falou: ‘Abaixa a porta’. Havia pessoas correndo pra dentro do bar, pessoas correndo pra fora, cadeira voando”, relata Marinaldo.

Após os disparos, ele acordou com o corpo do irmão sobre o seu. “Eu abro o olho e vejo meu irmão cheio de sangue, com o olho esbugalhad­o. Aí as pessoas começaram a voltar, eu pedindo ajuda, porque não conseguia levantar. Ele estava em cima de mim.”

Marinaldo ficou internado por quatro dias e perdeu o enterro do irmão. “Minha mulher veio dar a notícia da morte dele, eu não acreditava. Ela teve que mostrar a foto para mim [dele] já dentro do caixão.”

Marinaldo diz que perdeu vários amigos ainda adolescent­es, durante a década de 1990, quando SP enfrentava o ápice de homicídios.

Ele diz que sempre fugiu de confusão. Não cogitou vingança, como muitos no bairro costumam compensar a sensação de impunidade.

O atirador até hoje está foragido. “Deve estar vivendo em outro Estado, pode ter trocado de identidade. E nós ficamos com o sofrimento.”

Marinaldo faz tratamento psicológic­o. Quando conversou com a reportagem, preparava mudança com mulher e filho para Santa Catarina. (ARTUR RODRIGUES E MARLENE BERGAMO)

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Fotos Marlene Bergamo/Folhapress Fabiana Souza, que teve o marido morto por motoqueiro­s encapuzado­s

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