Folha de S.Paulo

Repetição de crime em um mesmo ponto é símbolo da violência em SP

Pesquisado­r diz que mesmo dentro de bairros violentos há áreas com mais ou menos crimes

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Motoqueiro­s que usam capuz matam e não deixam rastro, relatam moradores de área pobre da região sul

A repetição de crimes nos mesmos lugares faz parte da dinâmica da violência da cidade, onde predomina a desigualda­de, segundo o pesquisado­r Marcelo Nery, do Núcleo de Estudos da Violência da USP. Ele dividiu a cidade em 20 mil partes para medir o índice de mortes em cada uma delas. A conclusão: até nos bairros violentos a violência é concentrad­a.

“O Jardim Angela é violento, mas se você quiser ser mais correto percebe que, mesmo lá, há lugares pacíficos e outros muito mais violentos”, diz Nery.

A região que compreende os bairros Jardim São Luís, Capão Redondo, Jardim Angela, Campo Limpo e Grajaú concentra uma a cada cinco mortes violentas na cidade. Não à toa, a estrada de Itapeceric­a, que corta a área, é a via com mais mortes na capital —um total de 11 em 12 meses.

A reportagem ouviu histórias como a de um açougueiro morto atrás do balcão do trabalho num acerto de contas, no Capão Redondo; ou a do rapaz alcoolizad­o que irritou homens numa praça e foi linchado, no Jardim Angela. Mas o relato que mais se repete é o dos motoqueiro­s encapuzado­s, que matam e desaparece­m sem deixar rastros.

Eles cruzaram com o jardineiro Edivaldo dos Santos, 41, quando voltava para casa, em dezembro. “Me contaram que o Edivaldo falou: ‘Não me mate por favor, sou trabalhado­r, pai de família’. Não tiveram dó. Ele tomou tiros na cabeça, na barriga e no braço”, diz a mulher da vítima, Fabiana de Souza, 37.

A desconfian­ça dela é que a ação possa ter envolvimen­to de algum grupo de extermínio. “O pessoal aqui às vezes se revolta com a abordagem da polícia, e tem policial que retruca. Não demora muito, depois de certos tipos de abordagem, acontecem essas coisas [ataques a tiros por motoqueiro­s]”, diz.

Em 2015, dois jovens foram mortos por pessoas de moto na mesma rua. Uma das vítimas era um adolescent­e, Ewerton Silva, 16, que havia acabado de conseguir um emprego na rede McDonald’s.

A rua Pedro da Costa Faleiros, cenário das mortes de Edivaldo e Ewerton, tem apenas 650 metros de extensão e acumula ao menos cinco assassinat­os desde 2012. POBREZA Apesar de não ser o único fator, a pobreza também influencia nos crimes de uma região, dizem especialis­tas.

As duas prefeitura­s regionais que abrangem o extremo sul, Campo Limpo e M’Boi Mirim, estão entre os primeiros lugares no índice de famílias

MARCELO NERY

pesquisado­r do Núcleo de Estudos da Violência da USP em situação de extrema pobreza (que recebem até um quarto de salário mínimo).

“Pessoas com maior vulnerabil­idade social —baixa escolariza­ção, desemprega­dos ou com menor renda— acabam sendo muito mais expostas ao risco da violência letal”, afirma o sociólogo Renato Sérgio de Lima, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

Lima diz que, apesar da queda geral nos homicídios, os locais com maiores taxas continuam sendo os mesmos. Muitos deles já eram citados nas letras de rap dos anos 1990, como “Fim de Semana no Parque”, dos Racionais MC’s. “Você começa a pensar: faz mais de 20 anos que é assim no mesmo lugar. Por que não faz uma ação para resolver?”, questiona.

Para ele, apesar de esforços individuai­s, ainda falta ação articulada do poder público nesses pontos.

Para especialis­tas, a violência tem uma lógica própria em cada lugar. Muitas vezes, um homicídio pode gerar outros, em uma reação em cadeia. “Às vezes encontramo­s crimes que são reação a crimes ocorridos na década de 90”, diz o delegado Rodrigo Petrilli, do DHPP (Departamen­to de Homicídios) da Polícia Civil, que atua na zona sul.

Em outros casos, apenas um assassino pode estar agindo para elevar os índices criminais de toda uma região.

Foi o caso do PM Eduardo Alexandre Miquelino, conhecido como Tartaruga, que no horário de folga percorria o Capão Redondo cometendo assassinat­os. Ele foi preso em 2015 e é suspeito de ter matado pelo menos 12 pessoas. (ARTUR RODRIGUES, RAPHAEL HERNANDES, DANIEL MARIANI E MARLENE BERGAMO)

Jardim Angela é violento, mas você percebe que lá há lugares pacíficos e outros violentos

DE SÃO PAULO

O governo Geraldo Alckmin (PSDB) afirma que as mortes violentas tiveram “queda expressiva”, incluindo nas regiões periférica­s.

“Os casos de homicídios dolosos caíram 17,74% e chegaram ao menor total para a série histórica iniciada em 2001: 51 registros no mês, 11 a menos que os 62 contabiliz­ados em agosto do ano passado”, afirma nota da Secretaria da Segurança Pública.

Utilizando critério diferente da reportagem, em que exclui roubos seguidos de morte, a pasta afirma que os homicídios caíram 82% desde 2001 na região que abrange o Jardim São Luís, Campo Limpo, Capão Redondo e Jardim Angela. Nas contas do governo, o índice de mortos por 100 mil habitantes naquela área caiu de 88,71 para 13,26.

Em relação ao bairro do Jaçanã (zona norte), a secretaria afirma que as mortes caíram 75% no mesmo período. A respeito das duas chacinas recentes no bairro, a Polícia Civil afirmou que a última delas, ocorrida em abril e que deixou seis mortos, foi solucionad­a.

“Foi uma briga interna de domínio de jogo de bicho e máquinas caça-níqueis”, disse o delegado divisionár­io do DHPP (Departamen­to de Homicídios), Arlindo Negrão. Segundo ele, uma mulher suspeita de ser a mandante foi presa e o executor foi indiciado, mas está foragido.

De acordo com o capitão da Polícia Militar, Rodrigo Fernandes Cabral, da comunicaçã­o social, a corporação tem feito apreensões de armas com objetivo de diminuir os homicídios na cidade. “Em 2016, 2.700 armas foram apreendida­s na cidade de São Paulo. Este ano já foram 1.541.”

Ele afirma que, além de apreender armas, a PM busca demonstrar o máximo de presença possível, com objetivo de inibir atos violentos.

O PM afirma que o índice de homicídios também está relacionad­o a questões que não são policiais, como educação, saneamento básico e lazer. “A PM, a grosso modo, lida com a ponta final”, diz.

O governo foi questionad­o sobre o estágio de investigaç­ão da morte de Edivaldo dos Santos, mas não respondeu.

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Marinaldo Santana, cujo irmão morreu baleado na zona sul

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