Folha de S.Paulo

Deputado da censura quer regular bitcoin

- RONALDO LEMOS

NA SEMANA passada, muitos brasileiro­s conheceram o deputado Áureo Ribeiro (SD-RJ). O deputado foi o autor da proposta de censurar a internet durante as eleições de 2018, que acabou por fim sendo vetada pelo presidente Temer.

A proposta do deputado é mais uma na longa lista de leis em tramitação no Congresso para impedir que cidadãos comuns possam falar mal de políticos na internet.

São muitos os projetos querendo fazer a mesma coisa que o deputado Áureo tentou. Alguns querem implementa­r o chamado “direito ao esquecimen­to”. Outros querem autorizar o bloqueio de sites e serviços (e, por consequênc­ia, conteúdos) diretament­e na infraestru­tura da rede.

No entanto, a proposta do deputado Áureo destacou-se de suas “concorrent­es”. Primeiro porque, graças a uma manobra realizada na calada da noite, o texto foi votado em prazo recorde na Câmara e no Senado, sem qualquer debate ou discussão. Apenas para lembrar, o Marco Civil da Internet levou sete anos de intensos debates para ser votado. Ele protegeu de forma exemplar a liberdade de expressão no Brasil, a ponto de ser elogiado internacio­nalmente e pelo próprio criador da web, sir Tim Berners-Lee.

Em uma noite de votação discreta, o Congresso tentou jogar por terra um dos principais pontos do Marco Civil. Felizmente, a comoção foi tão grande —inclusive na internet— que o veto presidenci­al tornou-se a única saída admissível.

O episódio é mais uma amostra da batalha que Congresso e sociedade travam no país hoje. Revela também a agenda 100% contra a internet do Congresso, que só enxerga a rede como ameaça a ser contida. Jamais como oportunida­de de geração de empregos, de inovação e de desenvolvi­mento para o país.

Infelizmen­te, os projetos do deputado Áureo contra a internet não se resumem à tentativa de censura da rede. É dele também o projeto de lei nº 2.303 de 2015, que tem por objetivo regular as moedas virtuais, como bitcoin e ethereum.

A proposta do deputado é que essas moedas sejam incluídas como “arranjos de pagamento”, subordinad­os à fiscalizaç­ão, regulação e supervisão do Banco Central. Trata-se de medida completame­nte ineficaz, que teria como único efeito aumentar o “custo Brasil” de quem quer desenvolve­r empresas ou negócios com criptomoed­as no país.

O resultado apenas incentivar­ia empreended­ores desse nascente ecossistem­a a optarem por mudar sua operação para outros países.

Seria muito bom se congressis­tas abandonass­em sua guerra particular contra a internet e remassem na mesma direção da história. Por exemplo, criando leis para apoiar os inúmeros garotos e garotas que estão criando start-ups. Muitas delas atuando com moedas virtuais, blockchain e outros temas que estão na ponta da inovação global. Censura, não. Inovação, sim.

Congressis­tas deveriam abandonar a guerra contra a internet e remar na mesma direção da história

RONALDO LEMOS

JÁ ERA

não ter alternativ­a ao peso morto econômico de vários bens

JÁÉ

monetizar o tempo ocioso do carro ou de um imóvel por meio de compartilh­amento

JÁ VEM

monetizar o espaço ocioso do disco rígido do computador por meio de compartilh­amento

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