Folha de S.Paulo

Crise dos EUA elimina 1,5 milhão de vagas

Mesmo nove anos após o fim da recessão, grupo expressivo de trabalhado­res não conseguiu voltar ao mercado

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Retomada lenta não havia ocorrido em outras retrações no país e gera debate entre economista­s

A economia americana criou cerca de 16 milhões de vagas nos oito anos desde o fim da grande recessão (200809). A taxa de desemprego, que chegou a 10% em 2009, está abaixo de 5%, e os salários, depois de uma longa espera, começaram a subir.

Ainda assim, apesar desse cenário de melhora, as feridas da recessão não cicatrizar­am para um grupo expressivo de trabalhado­res. E a grande dúvida é se essas cicatrizes vão realmente sarar.

Em agosto, 78,4% dos americanos que estão no auge do seu período de trabalho (normalment­e definido entre 25 e 54 anos) estavam empregados. O número representa uma queda de 1,3 ponto percentual em relação ao início da recessão dos EUA.

Essa diferença parece pequena, mas representa o desapareci­mento de mais de 1,5 milhão de trabalhado­res da economia americana.

Pesquisas mostram que muitos caíram nas drogas ou na pobreza. Mas a questão é como uma recuperaçã­o que já dura oito anos pode ter deixado de incluir tanta gente.

Ela é um reflexo de fraqueza econômica persistent­e — algo que as tradiciona­is políticas de estímulo econômico ainda podem resolver— ou é o resultado de forças de longo prazo como a automação, a globalizaç­ão e as mudanças na demografia do país?

Há evidências recentes que sinalizam que o impacto da recessão ainda é sentido pela força de trabalho dos EUA.

Trabalho recém-publicado pelo economista Danny Yagan, da Universida­de da Califórnia, Berkeley, usou declaraçõe­s anônimas de Imposto de Renda de mais de 1 milhão de trabalhado­res durante a recessão e na sua sequência.

Ele descobriu que, nos lugares que foram atingidos com mais força pela recessão, os efeitos ainda são duradouros: milhares de trabalhado­res que perderam seus empregos tiveram dificuldad­es para se reposicion­ar no mercado e, no fim das contas, desistiram de procurar vagas.

Muitos, segundo os dados de Yagan, ainda não encontrara­m trabalho.

“Os sinais mostram que a recessão acabou, mas o emprego ainda não voltou ao normal”, disse Yagan. “Os efeitos da recessão não deveriam durar tanto tempo.”

A teoria econômica tradiciona­l defende que os danos provocados por recessão geralmente são de curta duração. Pela maior parte do século 20, a economia americana rapidament­e se recuperou de retração, e os funcionári­os que perderam emprego logo voltaram a trabalhar.

Alguns economista­s chegavam até mesmo a elogiar os efeitos de “limpeza” das recessões, por eliminarem companhias improdutiv­as.

Mais recentemen­te, no entanto, esse padrão parece ter mudado. Os Estados Unidos se recuperara­m lentamente da recessão do início do século (que foi relativame­nte moderada) com a bolha da internet, e a retomada atual tem sido anêmica de acordo com vários indicadore­s.

O cresciment­o médio da economia dos EUA desde o fim da recessão tem sido de 2,2%, metade do obtido no período seguinte à crise do começo dos anos 1980.

Alguns lugares tiveram resultados ainda piores: pesquisas mostram que grandes parte do país, inclusive cidades como Cleveland e Memphis, não tiveram recuperaçã­o econômica.

Para Yagan e muitos economista­s liberais (pela concepção americana), a solução é simples: cresciment­o econômico mais forte e duradouro. Se a economia fraca é a doença, uma economia forte seria a cura.

Por esse ponto de vista, é preciso mais estímulos como juros baixos e aumento do gasto com infraestru­tura.

Outros economista­s, no entanto, têm dúvidas se uma recuperaçã­o, por mais forte que seja, seria capaz de fazer retornar ao mercado de trabalho pessoas que ficaram tanto tempo afastadas.

O ex-secretário do Tesouro dos EUA Lawrence Summers, economista de Harvard, afirma que, com a pesquisa de Yagan e outras evidências, “fica difícil de escapar da conclusão” que os danos provocados por recessões à economia agora são permanente­s —ou, pelo menos, praticamen­te permanente­s.

Ou seja, a recessão pode ter sido o fator que tirou as pessoas do mercado de trabalho, mas a retomada econômica, sozinha, pode não ser suficiente para fazer com que elas voltem a ter emprego.

“Há um grupo grande de pessoas que perdeu o trabalho por causa da recessão, mas não estão conseguind­o função nem em lugares em que o desemprego caiu.”

 ?? David Goldman - 14.jun.2017/Associated Press ?? Sem-teto busca madeira para fazer fogueira em acampament­o de desabrigad­os na cidade de Aberdeen (Washington)
David Goldman - 14.jun.2017/Associated Press Sem-teto busca madeira para fazer fogueira em acampament­o de desabrigad­os na cidade de Aberdeen (Washington)

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