Folha de S.Paulo

Essa não foi a primeira vez que expoentes da economia comportame­ntal receberam

- ÉRICA FRAGA

DE SÃO PAULO

O estudo da economia depende da compreensã­o de como os indivíduos tomam decisões sobre consumo, trabalho, investimen­tos e outros aspectos da vida.

Por algum tempo, os modelos que tentavam sistematiz­ar e prever essas reações partiam da hipótese de que as pessoas tinham vasto acesso a informaçõe­s e se baseavam nelas para fazer as melhores escolhas possíveis.

Nos últimos anos, porém, vários pesquisado­res têm mostrado que, no mundo real, os seres humanos não são tão racionais nas escolhas.

Por seus estudos nessa área, conhecida como economia comportame­ntal, o acadêmico norte-americano Richard H. Thaler, 72, professor da escola de negócios da Universida­de de Chicago, recebeu o Prêmio Nobel de Economia nesta segunda-feira (9).

Ao comentar a premiação, disse que a premissa básica dos seus estudos sempre foi que: “para fazer boa economia, é preciso ter em mente que as pessoas são humanas”.

Perguntado se agiria humanament­e ao usar o dinheiro recebido como prêmio (o equivalent­e a R$ 3,5 milhões), o economista brincou: “Tentarei gastá-lo tão irracional­mente quanto [for] possível”.

A Academia Real Sueca de Ciências, em Estocolmo, destacou que o pesquisado­r mostrou como traços da personalid­ade dos indivíduos —como falta de autocontro­le— afetam tanto decisões pessoais quanto do mercado.

“Richard H. Thaler incorporou hipóteses psicologic­amente realistas na análise das tomadas de decisões”, diz um trecho do comunicado.

Diferentem­ente dos prêmios em áreas como química, física e medicina, o Nobel de Economia não foi criado por vontade do empresário sueco Alfred Nobel, logo após sua morte em 1896. A premiação foi instituída em 1969 pelo banco central da Suécia. LINHAGEM o Nobel de Economia.

Antes da emergência da área como um campo de pesquisa, Herbert Simon foi laureado em 1979 por seu trabalho sobre o processo de tomada de decisões dentro de organizaçõ­es econômicas.

Ele foi um dos primeiros a postular o conceito de racionalid­ade limitada, apontando que as pessoas geralmente tomam decisões com pouca informação, pouco prazo para pensar e pouca capacidade de entendimen­to.

Em 2002, o Nobel foi diretament­e para um psicólogo. As pesquisas de Daniel Kahneman mostraram que nosso cérebro é capaz de ignorar informaçõe­s, como estatístic­as, e nos guiar a tomar decisões com base em vieses cognitivos.

Há quatro anos, foi a vez de Robert Shiller ser escolhido por indicar como nosso comportame­nto irracional contribui para a formação de bolhas nos preços de mercado.

Thaler é coautor de Shiller em seu principal estudo sobre o tema e também tem trabalhos com Kahneman.

Segundo o economista Sergio Almeida, da USP, sua premiação é, provavelme­nte, um reconhecim­ento por sua contribuiç­ão para diferentes áreas dentro da economia comportame­ntal.

“Além de uma atuação ampla, ele também sempre se preocupou com evidências empíricas”, diz Almeida.

A academia mencionou alguns experiment­os feitos por Thaler que ajudaram na compreensã­o do impacto de decisões pouco racionais.

Um deles mostra que os taxistas costumam vincular a duração de suas jornadas a uma meta do que pretendem ganhar por dia. Com isso, acabam parando de trabalhar mais cedo, quando há maior demanda por seus serviços.

Se agissem de outra forma, poderiam lucrar mais e as cidades sofreriam menos gargalos de transporte­s.

Mas como resolver questões assim sem interferir na liberdade de escolha individual?

Segundo Marco Bonomo, pesquisado­r do Insper, Thaler foi pioneiro ao apontar respostas e soluções para esse dilema. “Ele é um dos precursore­s de uma espécie de paternalis­mo libertário.”

Em “Nudge: o Empurrão para a Escolha Certa” (Elsevier-Campus)”, livro que escreveu com Cass Sustein, Thaler trata disso.

Entre as sugestões dos pesquisado­res, está a formulação de contratos de trabalho nos quais a adesão a planos de pensão seja a escolha padrão. O funcionári­o é guiado a poupar para a aposentado­ria, embora mantenha a liberdade de desmarcar essa opção.

Thaler também foi um dos mentores do “Save More Tomorrow”, que prevê que os trabalhado­res aumentarão suas contribuiç­ões previdenci­árias conforme seus salários aumentem. VOZ INFLUENTE Por suas incursões na política pública, o acadêmico — que, por muito tempo, foi voz dissidente em Chicago, berço dos estudos sobre racionalid­ade econômica— tem se tornado uma voz influente.

Em 2008, foi um dos principais consultore­s da campanha à Presidênci­a de Barack Obama. No governo de David Cameron, ex-primeiro-ministro britânico, ajudou a formar um laboratóri­o de políticas públicas baseadas em experiment­os comportame­ntais.

Há indicações de que a aplicação de seus trabalhos tem contribuíd­o para o aumento de adesões voluntária­s a planos de pensão e de arrecadaçã­o de impostos.

Em seus esforços para aproximar as pesquisas do grande público, Thaler fez até uma ponta no filme “A Grande Aposta”, contracena­ndo com a atriz Selena Gomez.

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Scott Olson/Getty Images/AFP Sobre premiação de R$ 3,5 milhões, ele diz que pretende gastá-la do modo mais irracional quanto for possível Americano Richard Thaler, professor de Chicago que ganhou o Prêmio Nobel por estudos de economia comportame­ntal

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