Folha de S.Paulo

Nostalgia da impunidade

-

BRASÍLIA - Os vilões da República são a Polícia Federal, o Ministério Público e o Poder Judiciário. Esta é a conclusão que se tira do relatório do deputado Bonifácio de Andrada, que pede o arquivamen­to da segunda denúncia contra Michel Temer.

Em vez de analisar as provas, o tucano produziu um libelo contra a Lava Jato. Seu parecer aposta no corporativ­ismo dos colegas para salvar o presidente, acusado de organizaçã­o criminosa e obstrução da Justiça.

O relatório de Andrada faz coro a um discurso repisado pela defesa de Temer. Ele acusa a Procurador­ia de “criminaliz­ar a atividade políticopa­rtidária” e promover “um ataque generaliza­do aos homens públicos do país”. “Essa denúncia apresenta uma ampla acusação à vida pública brasileira”, afirma o tucano.

Aos olhos do deputado, o Ministério Público é um órgão que “domina a Polícia Federal, mancomunad­o com o Judiciário”, para impor constrangi­mentos a uma classe política indefesa. Ele ainda sugere que o avanço das investigaç­ões “trouxe para o país um desequilíb­rio nas relações entre os Poderes da República”.

Em tom de lamento, o relator diz que o Congresso “teve reduzidas as prerrogati­vas e as garantias da imunidade parlamenta­r”. “O Poder Legislativ­o perdeu muito na sua eficiência institucio­nal com a falta das imunidades parlamenta­res que existiam no passado brasileiro”, afirma.

A queixa transparec­e uma nostalgia dos tempos em que as leis conspirava­m a favor da impunidade dos políticos. Pela lógica do tucano, o Brasil era um país melhor quando a Justiça precisava de autorizaçã­o da Câmara ou do Senado para processar congressis­tas sob suspeita.

Herdeiro de um clã que está no poder desde o Império, Andrada não pode ser acusado de incoerênci­a. Há 16 anos, ele lutou sozinho contra a emenda constituci­onal que restringiu a imunidade parlamenta­r a delitos de opinião. A Câmara aprovou o fim da blindagem por 441 a 1 —o único voto contrário foi o dele.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil