Folha de S.Paulo

Aparecida, antes lhe daria até um revertério. “Tive câncer de

-

estômago há dois anos, e três médicos me desenganar­am. Só de pensar em comida eu sentia azia. Já tinha até visto de parcelar caixão, mas ficava com medo de não conseguir viver até a última parcela.”

Rezou pela cura, e Nossa Senhora atendeu suas preces, diz, olhos na TV da praça de alimentaçã­o do Santuário —a “santa receita” da vez é bacalhau ao molho bechamel. lônia portuguesa carecia de uma identidade, diz. Carnaval, futebol... Tudo isso veio depois. “Não havia nenhum outro símbolo nacional.”

É preciso voltar às origens, defende Silvio Torres, 59. Seu pleito é literal: ele guia o tour numa balsa que zanza pelo rio onde apareceu Aparecida (R$ 12 por pessoa). Como tantos, Torres computa uma bênção na conta da santa. “Às vezes vem gente que leva 10, 12 galões de ‘água milagreira’ daqui. Eu estava com um problema nos olhos e disse à Nossa Senhora que, se tanta gente se vale dessas águas, tinha chegado a minha vez”, diz o atual dono de uma visão “perfeita”.

Naquele rio penavam, em outubro de 1717, João Alves, Felipe Pedroso e Domingos Garcia. A pescaria estava à míngua, e eles precisavam de peixes para o banquete prometi- do a um visitante ilustre, o conde de Assumar, governador da Província de São Paulo e Minas Gerais no Brasil colonial.

Reza a lenda que, após pescar, em momentos distintos, a estátua decapitada de Nossa Senhora e sua cabeça, o trio enfim encheu as redes. Hoje o rio, um dos mais poluídos do país, não está muito para peixe. Também sumiram os índios que viviam pela região. Mais abundantes são as capivaras e os ouriços que perambulam pelas margens do Paraíba.

Wadê Pedroso (DEM), 61, colega de Adilson Boi na Brasa, Zoinho Fram Pé Sujo e outros cinco vereadores na Câmara Municipal de Aparecida, apresenta-se como descendent­e de um dos pescadores, o Felipe.

Paralítico após sofrer um acidente de carro há 40 anos, o político conta que só ele e mais três amigos cadeirante­s do hospital, entre dezenas, sobreviver­am no meio tempo. Só pode ser coisa da santa, diz.

Na Sala das Promessas da basílica, pinturas lembram milagres associados a Aparecida —como a menina cega que, em 1874, implorou à mãe para visitar a igreja da santa. Quando a viagem de três meses chegou ao fim, dona Gertrudes ouviu da filha, segundo a versão que entrou para a história: “Olha, mamãe, a capela da santa!”.

O espaço acumula presentes deixados por devotos agradecido­s, como um vinil do Bozo, um uniforme de paquita e o chapéu de caubói autografad­o por um tal de Juninho Fera.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil