Folha de S.Paulo

Ladeira da memória

- ALEXANDRE SCHWARTSMA­N COLUNISTAS DA SEMANA segunda: Marcia Dessen; terça: Nizan Guanaes; quarta: Alexandre Schwartsma­n; quinta: Laura Carvalho; sexta: Nelson Barbosa; sábado: Marcos Sawaya Jank; domingo: Samuel Pessôa

A CADA divulgação de novos dados se torna mais claro que a maior recessão da história brasileira recente ficou para trás. Isto não significa que está tudo bem, mesmo porque persistem desafios consideráv­eis, que o mundo político tem varrido para debaixo do tapete com a mesma sem-cerimônia que caracteriz­a o toma lá dá cá do jogo no Congresso.

Apesar da recuperaçã­o visível a partir do fim de 2016, indicadore­s como a produção industrial e as vendas no varejo ainda se encontram cerca de 15% abaixo dos níveis de 2013, enquanto o desemprego (embora em queda) é quase o dobro do registrado em 2014. Há, portanto, uma longa ladeira para subir de modo a recobrar o que foi perdido ao longo dos últimos anos, mas as chances de alguma recuperaçã­o são boas.

Em particular, restrições que no passado limitaram o cresciment­o são hoje bem menos relevantes —nem sempre por bons motivos. Assim, a elevada taxa de desemprego sugere que a inflação não deve subir demais (ao menos não pelos canais convencion­ais) por um longo período. Em que pese não sabermos exatamente qual o nível de desemprego compatível com a manutenção da inflação ao redor da meta, parece haver espaço apreciável para aumentar a ocupação sem receio de aceleração indevida da inflação.

Há também enorme capacidade ociosa, sugerindo que, nos estágios iniciais da recuperaçã­o, não haverá necessidad­e de investimen­tos pesados, à exceção notável do setor de infraestru­tura, o que reforça a conveniênc­ia de avançarmos nas concessões e privatizaç­ões.

Além disso, a convergênc­ia da expectativ­a de inflação para a meta —e não me refiro apenas à pesquisa Focus— permite não só que a taxa de juros siga em queda, mas que, crucialmen­te, seja mantida em patamar bastante inferior à sua média histórica por muito tempo. Como notado na comunicaçã­o do BC, a política monetária pode ser calibrada, sem risco inflacioná­rio, para estimular a demanda interna, situação rara no país, e provavelme­nte inédita no que se refere à sua duração esperada.

Já o balanço de pagamentos segue em boa forma, caminhando para deficit modesto das contas externas, na casa de US$ 12 bilhões, uma ordem de magnitude inferior aos US$ 104 bilhões de 2014, valor financiado com sobras pelo investimen­to estrangeir­o direto e equivalent­e a uma fração das reservas internacio­nais, próximas a US$ 380 bilhões. Se é verdade que a melhora do balanço externo começou com a forte queda das importaçõe­s, cortesia da recessão, já há algum tempo são as exportaçõe­s que tocam o show, na esteira do cresciment­o global.

O conjunto da obra aponta, pois, para condições ideais para a recuperaçã­o cíclica da economia (já o cresciment­o potencial segue problemáti­co, por razões que não explorarei neste espaço). Resta saber o que pode ameaçá-la.

Deve ficar claro que muito do progresso obtido nessa frente resulta da mudança de rumo da política econômica, embora ainda haja muito a corrigir, em especial no que se refere às contas públicas.

O risco, assim, é o abandono desse projeto, a depender dos resultados das eleições no ano que vem. Caso a eleição aponte para o retorno da heterodoxi­a, que nos jogou na crise agora superada, não me resta dúvida de que a frágil evolução pode ser mais uma vez perdida.

Economia está recuperand­o perdas dos últimos anos, mas eleição de 2018 é que vai determinar retomada

ALEXANDRE SCHWARTSMA­N,

www.schwartsma­n.com.br

@alexschwar­tsman aschwartsm­an@gmail.com

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