Folha de S.Paulo

Feira de Frankfurt começa com discursos políticos

Dramaturgo Wajdi Mouawad, nascido no Líbano, apresentou texto inédito

- MAURÍCIO MEIRELES

Como o autor libanês, Heinrich Riethmülle­r, líder dos editores e livreiros alemães, falou de conflitos atuais

Enquanto o presidente francês, Emmanuel Macron, e a chanceler alemã, Angela Merkel, desfiaram falas genéricas na abertura da Feira do Livro de Frankfurt, nesta terça (10), a voltagem política típica do evento foi garantida pelo dramaturgo Wajdi Mouawad.

O autor de origem libanesa, conhecido no Brasil pela peça “Incêndios”, começou com a história de Hécuba, rainha de Troia na mitologia grega.

A cidade, após a derrota para os gregos, via os vencedores dividirem entre si as riquezas e as mulheres dos inimigos. “No meio de milhares de cadáveres troianos, Hécuba vê Polixena [sua filha], mor- ta como vítima expiatória por Aquiles”, lembrou Mouawad.

Segundo uma versão da história, Hécuba foi transforma­da em cão pelos deuses.

“Ela ficou num rochedo latindo para todos que tentavam se aproximar. Ficou sem palavras. Virou escrava da própria dor”, disse Mouawad, antes de exibir um vídeo em que ele próprio aparece rosnando, latindo e babando.

O dramaturgo ainda disse palavras em árabe, mas explicou não recordar o que elas significav­am —eram apenas lembranças de infância. Nascido no Líbano, ele emigrou com os pais para o Canadá e hoje vive em Paris.

“Minha língua materna está em extinção. Antes de cada palavra há um ‘por quê?’ e sempre a mesma resposta: a guerra civil no Líbano, o exílio dos meus pais”, afirmou. Ele acrescento­u que quem perde a língua materna sente na boca o gosto do sangue da língua morta.

Em seguida, uma atriz leu um texto inédito seu, sobre uma história que ouviu na infância de uma prostituta que vira, em uma vila cristã, 23 crianças muçulmanas serem mortas como “inimigas”.

“Quem fala aqui é o árabe. Sou fruto da Europa hospitalei­ra”, disse o dramaturgo.

Neste ano, a feira homenageia a França (e a francofoni­a, em geral). O país montou um pavilhão de 2.500 metros quadrados e trouxe dezenas de autores, como Michel Houellebec­q, Emmanuel Carrère, Julia Kristeva e Bruno Latour. TURQUIA Outro discurso contundent­e foi o do presidente da Associação de Editoras e Livreiros da Alemanha, Heinrich Riethmülle­r —que lembrou a ascensão da extrema direita no país e a ameaça das fake news e defendeu o livro como elo importante na realização de debates na sociedade.

Como na edição anterior da feira, a Turquia voltou ao centro, com Riethmülle­r lembrando a perseguiçã­o a intelectua­is no país que desagradem ao governo.

Em 2016, a jornalista Asli Erdogan pediu para ser libertada em carta enviada para ser lida na abertura da feira. Ela havia sido presa sob acusação de ter relações com o terrorismo curdo. Neste ano, foi convidada pelo evento.

“Há três semanas, soubemos que ela ia ser solta. Mas não nos façamos de tolos. A Turquia é a maior prisão para escritores e jornalista­s. É um desastre para a democracia”, disse Riethmülle­r.

Ele ironizou ainda a presença de editoras que propagam ideias de extrema direita na feira, frisando que sua aceitação era parte da liberdade de expressão.

A cerimônia foi encerrada por Macron e Merkel, que falaram sobre o contato entre as culturas de seus países.

Macron lembrou o interesse mútuo entre intelectua­is das duas nações. “Quem entendeu Baudelaire melhor do Walter Benjamin? Quem entendeu Nietzsche melhor do que André Gide?”

 ?? John MacDougall/AFP ?? Mouawad, os líderes da França e da Alemanha, Emmanuel Macron e Angela Merkel, e o executivo Heinrich Riethmülle­r
John MacDougall/AFP Mouawad, os líderes da França e da Alemanha, Emmanuel Macron e Angela Merkel, e o executivo Heinrich Riethmülle­r

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