Folha de S.Paulo

Cinebiogra­fia de artista erótico cobre 50 anos de ativismo gay

- TONY GOES

Imagine que Carlos Zéfiro (1925-1992), que se notabilizo­u por suas histórias em quadrinhos eróticas, fosse alçado ao panteão dos grandes artistas brasileiro­s. Mais, até: que ele ganhasse uma coleção de selos postais ilustrada por algumas de suas obras.

Vá além. Imagine que Zéfiro desenhasse apenas figuras e cenas de cunho homoerótic­o, algumas francament­e pornográfi­cas. E, mesmo assim, merecesse uma cinebiogra­fia que fosse indicada pelo Brasil para representa­r o país na corrida pelo Oscar de filme em língua estrangeir­a.

Tudo isto aconteceu na Finlândia, que escolheu “Tom of Finland” para tentar uma vaga na disputa da Academia de Hollywood.

O artista retratado, nascido Touko Laaksonen (1920-1991), era dono de um traço imediatame­nte reconhecív­el. Por décadas, seus desenhos em preto e branco de marmanjos com músculos hipertrofi­ados e pênis gigantesco­s fizeram sucesso no submundo gay.

Só no final da vida, já estabeleci­do em Los Angeles, ele teve algum reconhecim­ento do “mainstream” artístico. Hoje seus originais são leiloados a peso de ouro, e suas obras são publicadas em luxuosos livros de capa dura.

“Tom of Finland”, o filme, começa em plena Segunda Guerra Mundial, com o jovem Touko lutando contra os nazistas. Mas a pegação já corria solta no front, com oficiais e recrutas se confratern­izando entre uma batalha e outra.

O pós-Guerra se revelou, de certa forma, ainda mais difícil para ele. Morando com a irmã em Helsinque, Touko trabalhava de dia como ilustrador para uma revista feminina. À noite, tentava vender desenhos eróticos nas boates frequentad­as por homossexua­is e visitadas pela polícia.

Os entreveros com a lei (não só na Finlândia, mas também na Dinamarca e na Alemanha, bem menos liberais do que hoje) e a dificuldad­e para comerciali­zar sua arte fizeram com que Touko se voltasse para o mercado americano, onde um editor o rebatizou de “Tom”. Foi nos EUA que ele se tornou quase o artista oficial da cada vez mais visível comunidade gay.

O longa de Dome Karukoski, em exibição no Festival do Rio, cobre quase meio século de ativismo LGBT de um ponto de vista único: o de um artista que, vindo de um país periférico, alcançou fama mundial. Amores, Aids, conquista de direitos —não há etapa que o roteiro não cubra.

A escuridão e o frio nórdicos aos poucos dão lugar ao sol e à excitação de Los Angeles, numa metáfora visual da saída do armário. E o final celebra a vida e a sexualidad­e —que era o que, no fundo, Tom of Finland pretendia com seus desenhos.

TONY GOES QUANDO nesta quarta (11), às 18h, no Museu da República; sáb. (14), às 21h15, no Roxy AVALIAÇÃO bom

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